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Cem anos do naufrágio do HMHS ‘Britannic’

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Cem anos do naufrágio do HMHS ‘Britannic’

Cem anos do naufrágio do HMHS ‘Britannic’

Como o mais jovem membro da classe Olympic, “familia” da qual faziam parte também o RMS ‘Olympic’ e o célebre RMS Titanic’, da Companhia White Star Line, o RMS ‘Britannic’ teve seu projeto alterado para corrigir as falhas verificadas no naufrágio do seu famoso “irmão”. Tais mudanças, no entanto, não impediram que uma explosão ocorrida em circunstâncias até hoje discutidas o afundasse em plena I Guerra Mundial, quando operou como navio-hospital.
Por ter soçobrado em tempo de guerra e perdido um número baixo de tripulantes, ou seja, em condições exatamente opostas ao ‘Titanic’, o ‘Britannic’ sempre ocupou lugar de menor destaque na História Marítima.
Como maior transatlântico a repousar no fundo do mar, porém, a descoberta de seus destroços no mar Egeu, na década de 1970, reacendeu o interesse de leigos e estudiosos por sua história.
No centenário do naufrágio do HMHS ‘Britannic”, Diário de Bordo convida seus leitores a conhecerem um dos grandes símbolos da engenharia naval britânica na década de 1910.

HMHS ‘Britannic’ na I Guerra Mundial, quando foi utilizado pela Royal Navy como navio-hospital

A célebre Classe Olympic

Construído pelos estaleiros da Harland and Wolff, em Belfast, para a companhia White Star Line, o HMHS “Britannic’ foi o terceiro e último navio da Classe Olympic de transatlânticos, lançado depois do RMS ‘Olympic’ e o RMS Titanic’.
Projetados pelos engenheiros navais Alexander Carlisle e Thomas Andrews, os navios da Classe Olympic eram considerados os maiores, mais luxuosos e mais seguros transatlânticos do mundo.
O naufrágio do “Britannic’ no mar Egeu, em 21 de novembro de 1916, e especialmente, a tragédia do “Titanic’ no Atlântico Norte, na madrugada de 15 de abril de 1912, colocaram os navios da Classe Olympic entre as embarcações mais famosas da História, criando-lhes uma aura quase lendária.

Os três navios da Classe Olympic: RMS ‘Olympic’, RMS ‘Titanic’ e HMHS ‘Britannic’

O irmão mais novo do ‘Titanic’


Construído a partir de novembro de 1911, o ‘Britannic” foi lançado somente em 26 de fevereiro de 1914, três anos e quatro meses depois do ‘Olympic’ (20/10/1910) e dois anos e nove meses após o Titanic’ (31/05/1911). Chamava-se originalmente ‘Gigantic’, pois seu projeto visava torná-lo o maior, o mais seguro e o mais luxuoso navio de sua classe. O naufrágio do “Titanic’, porém, obrigara a companhia White Star Line a mudar o presunçoso nome ‘Gigantic” para “Britannic’, ordenando aos seus engenheiros navais a alteração do desenho e projeto da embarcação durante a fase de construção.
Para reforçar a segurança do transatlântico, os engenheiros adicionaram um casco duplo e reforçaram os compartimentos estanques centrais, corrigindo a falha que acelerara o naufrágio do ‘Titanic’. Outras correções foram o acréscimo de botes salva-vidas com capacidade para todos a bordo e a instalação de enormes turcos, de modo a permitir que os botes fossem abaixados com maior rapidez. Os novos compartimentos estanques permitiam que o ‘Britannic’ se mantivesse à tona com até seis compartimentos inundados. Além disso, enormes turcos foram instalados a fim de permitir que os botes fossem abaixados com maior rapidez, mesmo que o navio estivesse adernando para um dos lados. A ponte de comando também foi modificada em relação aos dois predecessores: em seu telhado colocou-se uma plataforma para acomodar a bussola. Outro defeito do “Olympic e do ‘Titanic’ reparado no “Britannic’ foi a falta de conexão entre a sala de rádio e a ponte, que originalmente impedia que os operadores transmitissem com facilidade os avisos de iceberg aos oficiais. No novo projeto, um sistema de transporte pneumático ligava os dois, evitando que os operadores de rádio tivessem que sair de seus postos. Para apagar a má publicidade gerada pelo desastre do ‘Titanic’, a White Star Line publicou folhetos detalhando as melhorias de segurança do ‘Britannic’.

RMS ‘Britannic’ em construção nos estaleiros do porto de Queen’s Island, nome alterado a partir de 1995 para porto de Belfast.


O lançamento


No dia 26 de fevereiro de 1914, centenas de curiosos e jornalistas juntaram-se no porto de Queen’s Island, em Belfast, para presenciarem o lançamento do RMS ‘Britannic’. Muitas entrevistas foram concedidas e até um jantar oferecido em homenagem à nova joia da White Star Line.
Após o lancamento, iniciou-se então o processo de equipagem para preencher o casco vazio com várias máquinas e as chaminés. Esperava-se que a embarcação fosse concluída em setembro. Em julho, contudo, a companhia anunciou que seu comissionamento seria adiado até a primavera. Em verdade, a empresa passava por problemas financeiros e precisava priorizar os navios já operantes. Em setembro, o ‘Britannic” foi levado para a doca seca, onde teve lugar a instalação de suas três grandes hélices.
O imponente transatlântico pesava 48. 158 toneladas, medindo 269,06 metros de comprimento, 28, 7 m de boca (largura), 10,5 m de calado e 53 m de altura. Seu maquinário era composto por 29 caldeiras, 2 motores de tripla-expansão com quatro cilindros e 1 turbina de baixa pressão, capazes de deslocar 53.200 toneladas. A velocidade máxima era de 21 nós (39 km/h), sendo seu aparelho de propulsão formado por 2 hélices triplas laterais e 1 hélice quádrupla central.

Lançamento do RMS ‘Britannic’, em Belfast, Irlanda do Norte, em 26 de fevereiro de 1914

Um transatlântico de luxo que nunca fez viagens comerciais!


O RMS “Britannic’ fora concebido para acomodar até 2.579 passageiros, divididos em três classes. A White Star Line antecipava assim uma provável mudança de clientela e decidiu reduzir o tamanho da terceira classe, destinada principalmente aos imigrantes, em favor de um aumento para a segunda classe, tudo isso em comparação ao ‘Olympic’ e ao ‘Titanic’. Além disso, sua tripulação prevista girava em torno de 950 pessoas, enquanto seus dois predecessores ficavam entre 860 e 880. O objetivo da companhia era tornar o ‘Britannic’ capaz de competir com os recém-lançados SS ‘Imperator’, SS “Vaterland” (o maior navio de passageiros do mundo da época) e o famoso RMS ‘Aquitania”, da Cunard Line.

Para se atingir tais objetivos, a primeira classe teve suas instalações melhoradas. As crianças, geralmente vistas como um incômodo, começaram a ser consideradas como clientes a serem satisfeitos, com uma sala de jogos especial, criada no convés dos botes, ao lado do ginásio. Tal como o ‘Olympic’ e o “Titanic”, as instalações e acomodações da primeira classe eram servidas por uma grande e majestosa escadaria. A do ‘Britannic’, todavia, era ainda mais suntuosa: além da cúpula de vidro, dos gradios trabalhados e os painéis decorativos, um órgão de tubo alemão (desenho à esquerda) foi encomendado para adornar os conveses mais superiores (embora VYELTE-PHILHARMONIE-ORGEL nunca instalado), enquanto os elevadores ganharam um andar a mais e passaram a chegar até o convés dos botes. O convés A era totalmente dedicado à primeira classe e, além de uma sala de estar e dois cafés que permaneceram inalterados, o navio foi equipado com uma sala de fumantes, não obstante mais estreita que a do ‘Titanic’, em virtude de uma sala técnica. Para compensar a perda de espaço, os fabricantes colocaram um dossel no seu centro para aumentar significantemente a altura do teto. A sala de leitura também foi modificada e teve sua segunda parte removida, a fim de abrir caminho para as cabines. Toda uma área dedicada aos cuidados pessoais foi colocada no convés B, com um barbeiro, salão de beleza e salão de manicure. Entretanto, a adição mais importante do ‘Britannic’ em relação aos seus irmãos refere-se à presença de banhos individuais em quase todas as cabines da primeira classe, sendo o primeiro navio da história apresentar a característica. Anteriormente, os passageiros tinham que usar banheiros e sanitários públicos.
Os planos de alteração se estendiam também para as outras classes, prevendo a adição de um ginásio para a segunda classe e um espaço comum coberto para a terceira classe. O fumódromo da terceira classe subiria um convés e permitiria que seus ocupantes tivessem uma vista do mar. Por fim, a alteração na disposição dos botes traria duas principais vantagens: a primeira era que o convés dos botes teria mais espaço que seus equivalentes ‘Olympic’ e ‘Titanic”, exceto nos locais onde os turcos estavam localizados; a segunda era que agora a terceira classe teria acesso direto aos botes salva-vidas, algo que não aconteceu durante o naufrágio do ‘Titanic’.
Essas últimas instalações não foram concluídas, uma vez que, curiosamente, o ‘Britannic’ nunca realizou viagens comerciais, em função da eclosão da I Guerra Mundial.

Cartão postal de 1914, comemorativo ao lançamento do RMS ‘Britannic’

A conversão em navio-hospital


No início da Grande Guerra, a equipagem do ‘Britannic’ foi paralisada. Em 13 de novembro de 1915, o Almirantado Britânico requisitou o navio para transportar soldados e feridos como navio-hospital, recebendo o prefixo His Majesty’s Hospital Ship (HMHS), ou seja, “Navio Hospital de Sua Majestade”.
Para o bom desempenho de sua nova função, o “Britannic’ sofrera mais algumas mudanças, principalmente mudanças visuais. Embora sua construção estivesse praticamente concluida, seu casco foi pintado totalmente de branco com uma listra verde e três cruzes vermelhas de cada lado, iluminadas por lâmpadas. Em seu interior, 3.309 camas foram instaladas. As áreas comuns dos conveses superiores foram transformadas em quartos para os feridos. As cabines do convés B foram adaptadas para alojar os médicos, enquanto o salão de jantar e de recepção da primeira classe no convés D foram transformados em salas de operação. Os conveses mais baixos também ficaram direcionados para a acomodação de feridos. Todos os equipamentos médicos foram instalados quando o ‘Britannic’ chegou em Liverpool. A transformação improvisada e acelerada implicou um problema com os botes salva-vidas: somente cinco dos oito turcos gigantes tiveram tempo de serem instalados. Os equipamentos do navio foram então complementados por turcos tipo Wellin, os mesmos utilizados no “Olympic’ e no ‘Titanic’, capazes de descer dois barcos: um comum e um desmontável. Esses turcos foram instalados na parte central do convés dos botes, com dois deles também sendo colocados no convés da popa, totalizando 58 botes. Os elementos decorativos e as mobílias foram armazenados durante a conversão para navio hospital.
O custo inicial do ‘Britannic’ era estimado em 1,5 milhões de libras esterlinas, o mesmo de seus irmãos mais velhos. Entretanto, as alterações ocorridas durante sua construção e sua conversão a navio hospital acabaram aumentando as despesas, com o valor total sendo estimado em 1,9 milhões de libras em valores da época.

Desenho longitudinal do HMHS ‘Britannic’

Sabe-se muito pouco sobre desenho interior do “Britannic’ como navio hospital, existindo pouquíssimas imagens. O navio tinha espaço suficiente para acomodar 3.309 pacientes, mais tripulantes, médicos e enfermeiros, fazendo com que o total de pessoas abordo chegasse a 4.473, mais de mil a mais do que em serviço comercial. Sua capacidade era tal que várias balsas eram necessárias para embarcar e desembarcar pacientes. O ‘Britannic’ mesmo assim ficava atrás do ‘Aquitania’ como o maior navio hospital do mundo, com o segundo podendo acomodar até 4.200 pacientes.
Suas instalações foram muito despojadas durante seu serviço na guerra: os painéis e outros elementos decorativos foram removidos, como é evidenciado em uma das poucas imagens de sua grande escadaria. Dormitórios foram construídos no maior número possível de espaços disponíveis. Assim, as áreas de passeio do convés B foram transformadas em acomodações para oficiais feridos. As salas foram transformadas em refeitórios, enquanto sua piscina coberta, originalmente destinada aos passageiros de primeira classe, permaneceu funcionando para que a tripulação se exercitasse.

A piscina do HMHS ‘Britannic’, um dos raros desenhos do interior do navio


Em serviço durante a I Guerra Mundial


O “Britannic’ foi declarado apto para o serviço em 12 de dezembro de 1915, recebendo uma equipe médica de 101 enfermeiros, 336 suboficiais, 52 oficiais e uma tripulação de 675 pessoas. Dois dias antes de partir, o navio se encontrou com o ‘Olympic’ em Liverpool, a única ocasião em que estiveram juntos. A tripulação embarcou sob o comando do capitão Charles Bartlett, um respeitado comandante da White Star Line. Seu engenheiro chefe era Robert Flemming e o cirurgião chefe era John Beaumont. Ambos estavam acostumados com os navios da classe por já terem servido a bordo do ‘Olympic”, ficando muito satisfeitos com sua nova missão. Beaumont até afirmou que o ‘Britannic’ era “o navio hospital mais maravilhoso que já navegou”. O navio deixou Liverpool em 23 de dezembro de 1915, com destino a Mudros, na ilha de Lemnos, Grécia, no mar Egeu, para trazer doentes e feridos.
Ele se juntou a vários outros navios de passageiros que foram transformados em navios hospitais e estavam servindo na mesma rota, como o “Mauretania’ e o ‘Aquitania’, e até mesmo o ‘Olympic’, que ao contrário dos outros três não serviu como navio hospital, mas sim para o transporte de tropas. O SS ‘Statendam” mais tarde também se juntou às quatro embarcaçoes. A equipe era capaz de transportar cerca de 33 mil soidados e dezessete mii doentes e feridos.
O navio fez sua primeira parada em Nápoles, Itália, para reabastecer suas reservas de carvão, em seguida indo para Mudros e Dardanelos, Império Otomano, voltando para a Inglaterra em 9 de janeiro de 1916, com três mil feridos que foram distribuidos pelos hospitais de Londres. Esta viagem foi marcada por duas mortes por tuberculose e o desaparecimento de um homem que caiu no mar. Sua segunda viagem foi mais curta, indo apenas até Nápoles e retornando. Ao voltar, o Britannic permaneceu durante quatro semanas perto da Ilha de Wight, como um hospital flutuante.
A terceira viagem ocorreu entre 20 de marco e 4 de abril. Um homem morreu de diabetes no último dia. Ao final dessa travessia, O’Britannic’ e seus companheiros foram dispensados do serviço por não serem mais considerados como necessários, já que a evacuação de Dardanelos havia sido finalizada. Ele voltou para Belfast em 6 de junho a fim de passar por modificações necessárias para finalmente servir como um transatlântico tradicional. A White Star Line foi compensada pelo governo britânico em 75 mil libras para realizar as alterações. Esses trabalhos foram feitos durante vários meses antes de serem interrompidos, sendo desconhecido o quanto estavam finalizados.

HMHS ‘Britannic’, durante a I Guerra Mundial. Foto de 1916.

O Almirantado Britânico convocou o ‘Britannic’ novamente para o serviço em 28 de agosto de 1916, com o navio partindo para sua quarta viagem em 24 de setembro. As equipes médicas e de resgate eram compostas por voluntários. Ele chegou em Nápoles em 29 de setembro, enfrentando uma tempestade violenta, mas saindo ileso. O ‘Britannic’ então voltou para Southampton e chegou no dia 9 de outubro, partindo logo em seguida para sua quinta viagem. Esta nova jornada foi marcada por uma quarentena oficial que todos a bordo tiveram de passar assim que chegaram em Mudros. A tripulação tinha sofrido uma intoxicação alimentar e o navio permaneceu atracado por toda duração do inquérito.
Um incidente diplomático ocorreu logo depois do seu retorno ao Reino Unido. O cantor de ópera austríaco Adelbert Messany viajou no ‘Britannic’ e observou soldados de uniforme a bordo, sendo rápido para denunciar o ocorrido ao seu governo. Apesar do Almirantado Britânico ter negado veementemente a afirmação, o Império Alemão posteriormente levou isso em conta quando elaborou em janeiro de 1917 uma lista de 22 pontos que consideravam os navios hospitais como obsoletos.
A vida a bordo do ‘Britannic’ seguia uma rotina fixa. Os pacientes eram acordados e higienizados às 6h. O café da manhà era servido às 6h30min e no mesmo horário o capitão fazia uma inspeção pelo navio. O almoço era servido às 12h30min e o chá da 16h30min. Os pacientes eram atendidos entre as refeições e aqueles que desejavam caminhar podiam andar pelo convés, contanto que não usassem uniformes militares para não provocar ataques inimigos. Os pacientes voltavam para suas camas às 20h30min e o capitão realizava mais uma inspeção. Os dias eram puxados para os enfermeiros, mesmo sem pacientes e feridos a bordo, com eles frequentando cursos desportivos e conferências médicas de treinamento.

Charles Alfred Bartlett (1868-1945), o capitão do HMHS ‘Britannic’. Nascido em Londres, serviu por 6 anos na British-India Steam Navigation Company, antes de ingressar na White Star Line, em 1894. Barlett era conhecido entre a tripulação como Iceberg Charlie, em virtude de sua capacidade de detectar icebergs a milhas de distância. Sobrevivente do naufrágio do ‘Britannic”, o comandante foi o último a abandonar a embarcação. Aposentou-se em 1931 e morreu em uma casa de repouso em Waterloo, perto de Liverpool.

A Explosão


A sexta viagem começou em 12 de novembro de 1916, também com destino a Mudros. O “Britannic’ novamente foi comandando pelo capitão Charles Bartlett. Também a bordo em sua primeira viagem no navio estava a comissária e enfermeira Violet Jessop, que tinha servido a bordo do ‘Olympic’ e foi uma das sobreviventes do naufrágio do ‘Titanic’. A travessia começou sem problemas e o “Britannic’ ficou parado durante dois dias no porto de Nápoles, Itália, por causa de uma tempestade, retornando em seguida ao seu percurso através do mar Egeu.
No fatídico dia 21 de novembro de 1916, por volta das 8h 12 min, o ‘Britannic” navegava pelo canal entre as ilhas de Kea e Makronisos quando uma violenta explosão abriu um enorme buraco no lado estibordo de seu casco. Na ocasião, a equipe hospitalar estava na sala de jantar tomando o café da manhã. Jessop depois escreveu em suas memórias que, ao contrário do que havia acontecido no ‘Titanic’, a tripulação de imediato tomou consciência da gravidade da situação. Bartlett e o oficial chefe Robert Hume subiram para a ponte de comando e logo também perceberam o perigo da situação.
Além de abrir um buraco nos compartimentos 3 e 4, a explosão também danificou os compartimentos adjacentes. O corredor de ligação da sala da caldeira 6 com os alojamentos também foi inundado, fazendo com que a água entrasse nas caldeiras. Estima-se que em apenas alguns minutos mais de dez mil toneladas de água já haviam entrado no “Britannic’. Numa comparação, demorou quase uma hora para a mesma quantidade de água entrar no Titanic. As comportas estanques foram acionadas, porém aquelas situadas na sala da caldeira 6 não funcionaram, provavelmente por terem sido danificadas na explosão. Mesmo assim, o navio teoricamente ainda poderia permanecer flutuando, pois seu projeto permitia que até seis compartimentos ficassem inundados. Entretanto, o problema foi que várias das janelas e escotilhas do ‘Britannic’ estavam abertas durante a viagem para poder arejar a
arcação. Assim, a água conseguiu entrar pelas mesmas e inundar compartimentos que haviam ficado intactos.
O navio começou a adernar para estibordo. Um sinal de socorro foi enviado imediatamente para todas embarcações próximas. O cruzador HMS ‘Scrouge estava ocupado em uma missão para tentar desencalhar um navio que havia batido em uma mina aquática, porém rapidamente mudou seu curso para ir ao resgate do ‘Britannic”. O mesmo ocorreu com o HMS “Heroic’. Bartlett não tinha conhecimento da inundação da caldeira e subestimou os danos, decidindo levar o navio para a praia da ilha de Kea e ordenando que as máquinas entrassem em ré. Ele conseguiu virar a embarcação, porém isso acabou
acelerando a entrada de água.

Violet Jessop, em 1915. Comissária de bordo e enfermeira, alcançou notoriedade por ter sobrevivido aos naufrágios dos navios “irmãos” da classe Olympic, RMS ‘Titanic’ e HMHS ‘Britannic’, em 1912 e 1916, respectivamente. Jessop ainda se encontrava a bordo do RMS ‘Olympic’, quando este colidiu com o cruzador HMS ‘Hawke’, em 1911.

A operação de evacuação


A equipe hospitalar começou a se preparar para a evacuação. Bartlett deu a ordem para que os botes salva-vidas fossem preparados, porém não autorizou seus lançamentos. Todos a bordo correram para pegar pertences valiosos antes de saírem do navio. Jessop disse que levou sua escova de dentes porque era o item que tinha mais sentido falta depois do naufrágio do ‘Titanic”. Os poucos pacientes e feridos foram levados para o convés dos botes pelo tenente Schakelton. Da mesma forma, todos os enfermeiros foram reunidos pelo capitão Renton e também levados ao convés. Por fim, o major Priestley reuniu seu destacamento do Corpo Médico da Armada Real para inspecionar todas as cabines e garantir que ninguém havia sido deixado para trás.

O navio adernava cada vez mais a medida que Bartlett continuava sua manobra em direção a Kea. A tripulação no convés começou a temer que o adernamento ficasse muito grande e decidiram lançar os primeiros botes sem permissão. Bartlett tinha tomado conhecimento da situação das caldeiras e planejava primeiro parar as máquinas antes de lançar os botes e depois tentar encalhar o navio. Porém, antes que conseguisse agir, dois botes foram lançados no lado bombordo. As hélices nesse momento estavam quase no nível d’água e criaram um efeito de sucção que puxou os botes, esmagando-os. Dentre as pessoas nesses primeiros botes estava Jessop, que conseguiu se salvar pulando no mar a tempo, porém acabou batendo a cabeça na quilha de um barco que veio
em socorro. Coincidentemente, dois outros sobreviventes do ‘Titanic’, Archie Jewell e George Perman, também conseguiram se salvar. Bartlett não soube do ocorrido mas finalmente parou as hélices, poupando outro bote do mesmo destino.
A evacuação continuou em ordem, mas com algumas exceções: no lado bombordo um dos oficiais conseguiu manter a disciplina e evitar que uma multidão superlotasse um dos botes, enquanto um grupo indisciplinado tomou a iniciativa de ir lançar os botes no convés da popa. Outros, como o reverendo Flemming, conseguiriam guiar pequenos grupos e distribuí-los ordenadamente nos barcos. Rapidamente, o ‘Britannic’ ficou deserto, com o último bote sendo lançado às 9h. Bartlett permaneceu a bordo, decidido a salvar o navio a todo custo. Ele tentou religar as máquinas na esperança de alcançar Kea, porém desistiu quando viu a proa quase totalmente submersa. O capitão foi o último a abandonar o navio, pulando da ponte e nadando até conseguir entrar em um dos botes. Enquanto a popa se erguia para fora d’água a proa bateu no fundo do mar, pouco mais de cem metros abaixo. O ‘Britannic’ adernou completamente para estibordo e desapareceu da superficie às 9h07min. Das 1125 pessoas a bordo, 30 morreram e 45 ficaram feridas.


Os trabalhos de resgate

O ‘Scrouge’ havia recebido o pedido de socorro do ‘Britannic’ às 8h15min, indo para o local do naufrágio acompanhado por dois rebocadores franceses. No entanto, os primeiros a resgatar os náufragos foram os pescadores de Kea. No momento do naufrágio, 35 botes salva-vidas tinham sido lançados. Algumas pessoas que haviam caído ou pulado no mar conseguiram nadar até esses botes ou foram resgatados pelos pescadores. Felizmente para esses náufragos, eles não tiveram que suportar um mar congelante como tinha sido o caso com o ‘Titanic’, com nenhuma vítima sendo registrada nessas circunstâncias. Além disso, o “Britannic’ estava equipado com dois barcos a motor que auxiliaram no resgate dos nadadores.
Muitos dos sobreviventes foram levados para Kea, onde receberam pronto auxílio de seus habitantes. O ‘Scrouge’ chegou no local às 10h e resgatou 339 pessoas. O “Heroic’ havia chegado pouco antes e conseguiu recuperar 494 sobreviventes. Ambos os navios não tinham condições de acomodar mais pessoas, então o contratorpedeiro HMS ‘Foxhound’ assumiu o resgate às 11h45min. No total, 1036 pessoas foram resgatadas. Os sobreviventes mais feridos foram transferidos para os dois barcos a motor do ‘Britannic’ e levados até a baía de São Nicolau no noroeste de Kea. Alguns sobreviventes também foram passados para o HMS ‘Duncan’, onde a tripulação foi particularmente atenciosa com os enfermeiros. Cerimônias foram realizadas para honrar e lamentar as trinta vítimas do naufrágio. Posteriormente, os sobreviventes foram enviados para casa através de diversos meios, com a maioria chegando depois do natal de 1916.

Sobreviventes do naufrágio do HMHS ‘Britannic’


Repercussões na imprensa

A perda de um grande navio em tais circunstâncias não passou despercebida, com a imprensa começando a noticiar o fato dois dias depois do ocorrido, porém acompanhadas por vários erros e apelos de propaganda devido ao contexto da Primeira Guerra Mundial.
Os jornais relataram que o naufrágio tinha sido uma “atrocidade” cometida pela Alemanha, cujos submarinos não tinham hesitado em torpedear um navio hospital levando centenas de feridos. As causas do incidente ainda eram incertas e a imprensa rapidamente começou a reportar os nomes dos passageiros do ‘Britannic”, porém as notícias motivadas por propaganda não terminaram. Por meses os meios de comunicação criticaram e culparam os alemães, agravando tudo pelo fato do navio claramente portava as cores e indicativos visuais de um navio hospital. As denúncias da suposta “barbárie alemā” foram reforçadas pelos eventos similares do HMHS ‘Asturias’, outro navio hospital que um ano antes havia sido torpedeado por um submarino alemão. Além disso, o HMHS ‘Braemar Castle’ se encontrou nas mesmas circunstâncias e quase no mesmo local dois dias depois do naufrágio do ‘Britannic’. Para os britânicos, tudo isso foi uma declaração de guerra contra seus navios hospitais.
Extraordinariamente, foi publicado um artigo em um jornal alemão que quase parecia uma confissão do ato: “O “Britannic’ estava transportando tropas descansadas para nossos
inimigos. Se esse não tivesse sido o caso, nossos submarinos, naturalmente, nunca teriam torpedeado”. Entretanto, este é o único documento alemão que afirma claramente que o naufrágio foi causado por um torpedo.

O naufrágio do HMHS “Britannic”, retratado pelo pintor e ilustrador norte-americano Ken Marschall.

Investigações sobre a causa do naufrágio


A questão dos motivos do naufrágio do ‘Britannic’ surgiram quase que imediatamente. O Almirantado Britânico estava muito ocupado com todas as operações de guerra e deu apenas dois dias para os capitães George Staer e Huge Heard, que estavam presentes no local, para recolherem evidências e formarem um relatório. Isso tudo assumiu a forma de uma carta enviada em 24 de novembro, o que é muito pouco quando comparada as centenas de páginas de relatório sobre o naufrágio do ‘Titanic’. A principal dúvida era se o navio tinha afundado por causa de um disparo de torpedo ou pela colisão com uma mina aquática. Os testemunhos e as provas indicavam ambos os lados. Alguns sobreviventes afirmaram ter visto algo que se assemelhava ao rastro de um torpedo, mas não a coluna d’água que normalmente acompanha as detonações. Já outros relatórios mostravam que minas haviam sido recentemente colocadas na área. A conclusão de Staer e Heard foi vaga: “os efeitos da explosão podem ter vindo de uma mina ou de um torpedo. Parece mais provável que tenha sido uma mina”.
Isso em si não era suficiente, pois o “Britannic’ em teoria tinha sido construído para resistir esse tipo de choque. Assim, dois outros fatores explicaram o naufrágio. O primeiro era que algumas portas estanques não foram fechadas, enquanto outras foram rapidamente abertas para que a tripulação pudesse chegar em seus aposentos e pegar objetos pessoais. O segundo e mais fatal foi que várias janelas dos conveses E e F estavam abertas: como o navio adernou para estibordo, a água começou a inundar não apenas os compartimentos danificados, mas até áreas intactas, fazendo com que mais água entrasse rapidamente no navio e inundando compartimentos acima da linha d’água.
A tese do torpedo foi desafiada na década de 1970 quando os destroços do ‘Britannic foram descobertos. Os pesquisadores deduziram que uma segunda explosão ocorreu dentro do navio após a primeira, tendo sido causada por um incêndio nos depósitos de carvão. O ‘Titanic’ tinha passado por um incidente similar entre 2 e 13 de abril de 1912, quando um incêndio ocorreu em seu depósito de carvão no 6. No entanto, essa suposição foi desmentida em 1999, quando se descobriu que os depósitos de carvão da embarcação estavam todos intactos. Também foram mencionadas uma explosão possivelmente causada por dispositivos médicos ou armas secretas que estavam sendo transportadas, porém não há nenhuma evidência que apoie essas teorias. A descoberta na década de 2000 de várias minas aquáticas ainda ancoradas na região do naufrágio deram grande força para a teoria da colisão com uma mina, sendo essa a causa provável mais defendida e apoiada atualmente.

Os destroços do HMHS ‘Britannic’ repousam no canal entre as ilhas de Kea e Makronisos, no mar Egeu, Grécia. O local do naufrágio está marcado em vermelho.

Expedições aos destroços


Os destroços do ‘Britannic” foram encontrados em 3 de dezembro de 1975 pelo explorador francês lacaues-Yves Cousteau (1910-1997), estando localizado nas coordenadas
37° 42′ 05″ N 24° 17′ 02″ e a apenas 120 m da superfície. Cousteau entrou nos destroços pela primeira vez no ano seguinte com mergulhadores, porém, antes precisou conseguir autorização das autoridades gregas. O campo de destroços foi explorado pelo pequeno submarino SP-350, com a equipe estando acompanhada pela sobrevivente Sheila Mitchell. Alguns itens foram recuperados e um documentário foi produzido para a série de televisão “As Odisseias Submarinas de Jacques Cousteau”.
O grego Kostas Thoctarides realizou um mergulho solo de vinte minutos em 1995. No mesmo ano, Robert Ballard (que dez anos antes havia descoberto os destroços do Titanic) usou um veículo submarino operado remotamente a partir do submarino NR-1 da Marinha dos Estados Unidos para ir no interior no navio, com um novo documentário de televisão sendo feito. Kevin Gurr mapeou alguns detritos e explorou os destroços em 1997. Nick Hope entrou nos destroços em 1998 e produziu mais um documentário. Jarrod Jablonski realizou cerca de 96 mergulhos ao Britannic no ano seguinte. Kostas Thoctarides voltou ao navio em 2001 com o submarino Thétis e filmou os destrocos. As filmagens posteriormente foram usadas pelo jornalista Giorgos Avgeropoulos (que estava abordo do submersível) na produção de mais um documentário para a televisão.
Carl Spencer entrou pela primeira vez na sala da caldeira no 6 em 2003 através da porta estanque que ficou aberta, também descobrindo minas aquáticas na região próxima ao navio. Dois documentários foram produzidos nessa ocasião. A sala da caldeira no 6 foi explorada mais a fundo em 2006, com o casco também recebendo grande atenção. Um outro documentário foi produzido para o canal francês ‘Histoire’ por John Chatterton e Richie Kohler. Uma expedição internacional foi realizada entre 12 e 25 de outubro de 2008. Apesar de preocupações com o clima, os onze mergulhadores conseguiram fazer sete incursões ao naufrágio. Spencer morreu em 24 de maio de 2009 em consequência de uma doença de descompressão, depois de mais um mergulho para a produção de um novo documentário, desta vez para o National Geographic Channel. Ele já tinha participado de três expedições ao local.

Jacques-Yves Cousteau (à direita), durante expedição nos destroços do HMHS ‘Britannic’. O famoso oceanógrafo francês descobriu a localização do naufrágio em 1975.

Estado atual


O “Britannic’ é considerado o maior navio naufragado do mundo. Ele repousa em seu lado estibordo, impossibilitando medir diretamente a extensão dos danos causados pela explosão. Há um enorme ruptura à frente da ponte de comando que separa o resto do navio de sua proa. Sua magnitude é muito grande para ter sido causada por qualquer explosão, sendo mais provável que ocorreu pela pressão exercida pelo navio enquanto estava afundando, quebrando justamente no local mais frágil quando a proa atingiu o fundo do mar. Foram encontrados vários cacos de vidro do domo da grande escadaria, com as quatro chaminés tendo sido arrancadas de suas bases. Vários pedaços de carvão estão espalhados ao redor dos destroços. Cousteau conseguiu resgatar alguns objetos em sua expedição de 1976, incluindo um sextante encontrado perto da sala dos mapas.
Os destroços do ‘Britannic’ foram comprados por um britânico em 1977 pelo valor de 2500 libras esterlinas. O navio foi comprado novamente em 1996 pelo historiador Simon Mills pela quantia de quinze mil libras, com o objetivo de preservá-lo o máximo possível. Robert Ballard teve a ideia no início da década de 2000 de transformar o “Britannic’ no primeiro museu submarino do mundo, equipando-o com câmeras que permitiriam que visitantes vissem os destroços a partir da superficie. O projeto nunca se concretizou.

Posição do HMHS ‘Britannic’ no fundo do mar

o legado

Como o ‘Britannic” naufragou durante a guerra nunca tendo servido comercialmente como navio de passageiros, além de ter tido poucas vítimas, ele nunca atraiu o mesmo interesse e entusiasmo que seu irmão, o ‘Titanic’. Ele logo foi esquecido pelo público, com sua fama voltando apenas depois da descoberta de seus destroços. Além disso, seu nome seria reutilizado em 1930 pela White Star Line no MV ‘Britannic”. Este foi o último navio da empresa, que em 1934 foi comprada pela Cunard Line.
A perda de dois dos três navios da Classe Olympic antes que pudessem completar uma única viagem comercial foi um enorme prejuízo financeiro para a White Star Line. O Tratado de Versalhes compensou em parte esse problema, já que a derrotada Alemanha foi obrigada a dar vários de seus navios para os países da Triplice Entente, com dois indo para a White Star. O SS ‘Bismarck’, então o maior navio do mundo, foi rebatizado como RMS ‘Majestic’ e substituiu o “Britannic’, enquanto o muito menor SS ‘Columbus’ (rebatizado de RMS ‘Homeric”) foi a compensação por outros navios perdidos durante o conflito, como O SS ‘Laurentic’. Com esses dois navios mais o ‘Olympic’, que conseguiu sobreviver ileso à guerra, a companhia foi capaz de estabelecer um serviço
porém bem longe daquilo que Joseph Bruce Ismay havia imaginado quando encomendou os três irmãos.
A história do ‘Britannic’ acabou inspirando em 2000 um telefilme de mesmo nome (cartaz acima), dirigido por Brian Trenchard-Smith para o canal norte-americano Fox Family. Entretanto, o filme contém vários erros históricos, como o navio tendo sido afundado por um espião alemão para destruir um carregamento secreto de armas.

LINHA DO TEMPO DO NAUFRÁGIO DO HMHS ‘BRITANNIC’

Cinquenta e cinco minutos foi o tempo entre a explosão na proa e o repouso do ‘Britannic’ no fundo do Mar Egeu. Confira abaixo como se deu a tragédia que completou 100 anos:


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