Nascido em Santos, SP, em 2 de setembro de 1946, o biólogo marinho Luiz Alonso Ferreira é o fundador da Sociedade Museu do Mar e diretor-presidente da entidade desde sua fundação, em 1984.
A Sociedade Museu do Mar é uma instituição única no Brasil, de iniciativa privada, tendo como principal objetivo contribuir para o aperfeiçoamento cultural e intelectual da sociedade, através do estudo sistemático das ciências do mar.
Sediada em Santos, a entidade é mantenedora do Museu do Mar e do Museu Marítimo, os quais expõem um dos mais importantes acervos do Brasil referentes, respectivamente, às áreas da Biologia Marinha e História Marítima.
As origens ligadas ao mar
Filho de Quincio Francisco Ferreira (1917-1990) e Carmen Alonso Ferreira (1922-1976), Luiz Alonso Ferreira é neto de imigrantes espanhóis (pelo lado materno) e portugueses, pelo lado paterno.
A bordo do navio “Magdalena”, da Mala Real Inglesa, seus ascendentes espanhóis desembarcaram no porto de Santos em 5 de abril de 1893, oriundos das cidades de Ourense, Arzuá e Verín, situadas na histórica região da Galícia.
Os antepassados portugueses chegaram ao Brasil no início do século XX, procedentes do Porto e da Vila do Conde, localizadas defronte ao vasto oceano Atlântico.
Enquanto os avós espanhóis se estabeleceram no centro de Santos, passando a trabalhar em companhias de café e no próprio porto, os portugueses fixaram residência na Ilha das Palmas, na entrada do canal de Santos, onde trabalhavam para a companhia alemã de navegação Theodor Wille.
O pai de Luiz, Sr. Quincio Ferreira, era afilhado do marítimo Quincio Peirão (1884-1936), um dos primeiros práticos da barra de Santos a exercerem a função de forma autônoma no porto. Considerado um herói da Revolução Constitucionalista de 1932, uma rua no bairro da Ponta da Praia ostenta hoje seu nome.
Na Ilha das Palmas, durante as primeiras décadas do século passado, a família Ferreira cultivou amizade com alguns célebres escritores e personagens brasileiros que freqüentavam o local em busca de descanso e lazer, tais como Monteiro Lobato, o diplomata Osvaldo Aranha, Oswald de Andrade, Patrícia Galvão (a Pagú), dentre outros. No livro “A Escada Vermelha”, escrito por volta de 1921 e publicado somente em 1934, Oswald de Andrade refere-se direta e indiretamente (com o uso de pseudônimos) a diversos membros da família Ferreira.
Na história, o autor apresenta-se através do pseudônimo “Jorge”, um refugiado político que procura acolhida no chalé do casal Manoel Francisco Ferreira e Maria D`Agonia Ferreira, avós paternos de Luiz Alonso Ferreira. Dona Maria D`Agonia, então conhecida como Maria das Palmas, é citada como “Tia Amélia”, sendo sua filha, a jovem Vitória Agonia, retratada pelo autor como “uma menina de branco, virginal e agreste”, por quem Jorge se sente atraído no decorrer da narrativa. Até mesmo o prático Quíncio Peirão é referido no livro como “Quim João”.
Logo após o nascimento de Luiz Alonso Ferreira, seus pais mudaram para o bairro da Ponta da Praia, integrando o corpo de funcionários da Provibras, empresa produtora de vitaminas, a qual extraía óleo de fígado de tubarões para fornecimento a indústrias farmacêuticas, fábricas de corda de sisal, rações para cavalos de corrida, dentre outros fins. A sede da empresa ficava na Avenida Rei Alberto I, número 367, endereço onde hoje se encontra uma agência bancária.
Sobre o óleo de fígado de bacalhau, Alonso guarda lembranças amargas e, ao mesmo tempo, felizes:
“Eu era um menino franzino e, preocupada com minha estrutura física, minha mãe levou-me ao Dr. Mário Billerbeck, um conhecido médico santista. Foi então que o doutor recomendou um fortificante que viria a tornar-se habitual em minhas refeições: algumas gotas de óleo de fígado de tubarão nas sopas”.
Fortalecido pelo óleo de fígado de tubarão, quando contava uns dez anos idade, o menino passou a nutrir um sonho: ganhar um dente de tubarão! Àquela altura, jamais imaginaria que, ao tornar-se adulto, o sonho seria realizado em proporções bem maiores.
A infância de Luiz também foi bastante marcada pela proximidade com a colônia de imigrantes japoneses residentes na Ponta da Praia. Dedicados em sua maioria à atividade pesqueira, alguns deles eram proprietários de barcos de pesca.
Do contato de Luiz com os nipônicos e seus descendentes (nisseis e sanseis), nasceram importantes amizades, muitas das quais mantidas até os dias atuais, em especial com os membros da família Ono, então conhecidos armadores de pesca, os quais se tornariam grandes colaboradores do futuro Museu do Mar.
O encontro com a Biologia Marinha
A vida escolar de Luiz Alonso Ferreira teve início no Externato Casa Pia São Vicente de Paula, instituição na qual estudou até a 4° série do curso primário. Posteriormente, estudou no tradicional Colégio Santista, da 5 a 8° série, concluindo o 1° grau.
Neste período, duas produções cinematográficas marcariam indelevelmente o espírito do jovem em formação: “Vinte mil léguas submarinas”, filme de 1954, baseado no livro de Júlio Verne, com James Mason no papel do capitão Nemo, e “Moby Dick”, filme de 1956, inspirado no romance de Herman Melville, com Gregory Peck no papel do capitão Ahab.
No mesmo Colégio Santista, em curso equivalente ao 2° grau, Alonso formou-se como técnico em Química Industrial.
Com a desativação da Provibras, seus pais desenvolveram um comércio ambulante de doces e cocadas junto ao Aquário Municipal, por volta de 1953. Naquele local, Alonso estudava junto ao mar, onde podia observar de perto as variadas espécies atiradas à praia pela força das marés. A enriquecedora experiência reforçava seus vínculos com o mar, despertando-lhe um interesse crescente pela biologia.
Desse modo, na década de 1960, começou uma coleção de conchas, confeccionando também artesanatos marinhos, os quais passaram a ser comercializados no ponto ambulante de seus pais, juntamente aos doces. Conforme o acervo de espécies marinhas ia se avolumando, efetivou correspondências com colecionadores particulares e instituições científicas brasileiras, visando troca de material.
Ainda na década de 1960, realizou com a família viagem de Santos (SP) a Fortaleza (CE) numa Kombi, percorrendo inúmeras praias, e estabelecendo contato com pescadores, colecionadores e pesquisadores, comprando e trocando material marinho.
Em 1969, verificou-se sua primeira correspondência internacional para troca de material científico, endereçada a um Clube de Colecionadores de Conchas da Austrália.
No início da década de 1970, numa nova viagem de Kombi, partiu de Santos em direção ao litoral sul do Brasil, alcançando Montevidéu, no Uruguai.
Entre 1971 e 1979, trabalhou em Cubatão, SP, na Refinaria Presidente Bernardes, da Petrobrás, exercendo a função de operador de processamento da Unidade V.
Em 31 de janeiro de 1976, casou-se na Igreja do Embaré, em Santos, com Isabel Gonçalves Ferreira, sua companheira até os dias atuais e grande incentivadora para o erguimento do Museu do Mar, entidade na qual ocupa o cargo de Diretora Financeira.
Em 23 de junho de 1977, o casal ganhou seu primeiro filho, Luiz Gonçalves Alonso Ferreira, professor de História e Diretor Administrativo da Sociedade Museu do Mar. Detalhe curioso, quando a criança contava seis meses, Alonso a colocou dentro de uma Tridacna gigas, o maior molusco bivalve do mundo, registrando em foto seu primeiro “berço”. Concha e foto encontram-se hoje em exposição no Museu do Mar, atraindo a atenção de muitos visitantes.
Paralelamente ao trabalho na Refinaria Presidente Bernardes, Alonso ingressou no curso de Ciências Biológicas da Universidade Católica de Santos, formando-se em 1978. No mesmo ano, os conhecimentos adquiridos com o estudo de conchas levaram-no a desenvolver e ministrar o Curso de Conquiliologia.
Em 1979, organizou o Curso de Mergulho Livre e Autônomo Amador, um dos primeiros da Baixada Santista, mantido em funcionamento até a presente data pela Sociedade Museu do Mar, o qual já formou mais de 1300 alunos, sendo credenciado pela Confederação Brasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos (CBPDS) e Confederação Mundial de Atividades Subaquáticas (CMAS).
Entre 1979 e 1984, retornou ao Colégio Santista, desta vez como professor de I e II graus, lecionando as disciplinas de Ciências, Química, Botânica e Ecologia. Como Coordenador do Centro de Estudos de Ciências da tradicional instituição de ensino, promoveu entre os anos de 1980 e 1983 a Feira de Ciências do Colégio Santista, a FECISA.
Durante a XI Feira Municipal de Ciências, III Exposição Nacional de Ciências e I Feira Sul-Americana de Ciências, eventos promovidos pelo Ministério de Educação e Cultura, Governo do Estado do Paraná, Secretaria de Estado da Educação e Prefeitura Municipal de Curitiba, obteve com seus alunos de 1° grau o segundo lugar na disciplina de Biologia, orientando os projetos “A Importância do Estudo das Conchas” e “Animais Marinhos Perigosos”.
No dia 19 de janeiro de 1980, nascia a filha, Thais Alonso Ferreira, bióloga e professora. Assim como o fizera com seu filho, com poucos meses, a menina também foi fotografada dentro de uma Tridacna gigas, desta vez, um segundo exemplar, também em exposição no Museu do Mar.
Neste período, a coleção particular ampliara-se notavelmente. Contando com o prestimoso apoio de pescadores, armadores de pesca e demais colaboradores, Alonso diversificou consideravelmente seu acervo, com a aquisição de grandes tubarões da costa brasileira, tartarugas marinhas, aves oceânicas, esponjas, corais, crustáceos, fósseis, dentre outros materiais.
O trabalho de embalsamamento das espécies ficou a cargo do taxidermista Sebastião Medeiros (1929-2005), uma das pessoas mais importantes na história do Museu do Mar. Experiente profissional com passagem pelo Museu de Zoologia da USP (onde travou amizade com o famoso zoólogo e compositor Paulo Emílio Vanzolini), Museu de Pesca de Santos, dentre outras instituições, Medeiros foi um grande amigo de Luiz Alonso Ferreira.
O Museu do Mar
Em 1980, uma pequena casa rosa na Rua República do Equador reunia um vasto acervo biológico. Era um bangalô típico do antigo bairro da Ponta da Praia, então residência dos pais de Luiz Alonso. A dimensão que tomara o trabalho aliada ao considerável número de pessoas que afluíam ao local para apreciarem suas atrações demonstrava que o acervo particular deveria ser disposto à exposição pública.
Destarte, incentivado especialmente pelo pai, esposa e por seu tio, o advogado Luiz Alonso (já falecido), Alonso demoliu a casa onde morava para dar início às obras do Museu do Mar, cujo lançamento da pedra fundamental deu-se em 21 de junho de 1980.
Com recursos financeiros próprios e enfrentando as incertezas quanto ao futuro de uma empresa privada na área cultural, depois de quatros anos de desafios, o Museu do Mar foi finalmente inaugurado, em 30 de junho de 1984. Na ocasião, estiveram presentes diversas autoridades civis, militares e religiosas.
No ano de 1987, Alonso concluiu curso de pós-graduação lato sensu em Biologia Marinha, na Universidade Católica de Santos.
Paralelamente ao atendimento ao grande público que afluía ao Museu do Mar, o biólogo marinho promoveu outros cursos, tais como, Química Marinha, Ostreicultura, Taxidermia em Crustáceos e Peixes, Arrais e Mestre Amador e Biologia Marinha. Ao mesmo tempo, participou de diversos congressos, reuniões, seminários, simpósios e encontros sobre o ambiente marinho, apresentando vários trabalhos científicos como autor ou co-autor em áreas de sua especialidade.
Desde cedo, o sucesso do Museu do Mar motivou-o ao desenvolvimento de importantes projetos, visando ampliar a difusão do conhecimento das ciências do mar.
Em 1989, desenvolve a Expo-Museu do Mar, exposição itinerante com o tema “A Vida no Mar”, levando parte do acervo biológico da reserva técnica da entidade para outras cidades do país, despertando o público para a necessidade de preservação da vida marinha. Evento inédito no Brasil, a Expo-Museu do Mar já percorreu diversas cidades, em seis estados: Santos, Caieiras, São Sebastião, Osasco, Lins, Santo André, Jundiaí, São José dos Campos, Franca, Amparo, Rio Claro, Itaquaquecetuba, Adamantina, Indaiatuba (SP), Visconde do Rio Branco (MG), Cuiabá (MT), Campo Grande (MS), Itapema (SC) e Curitiba (PR).
No dia 10 de outubro de 1990, uma Baleia Minke (Balaenoptera acutorostrata), com 8,50 metros de comprimento, apareceu morta na praia da Enseada, em Guarujá, SP, sendo levada para um aterro da cidade. Em março de 1992, Luiz Alonso Ferreira liderou a equipe do Museu do Mar responsável pelo resgate e montagem do esqueleto do cetáceo, o qual, desde então, passou a integrar a exposição itinerante, figurando como uma de suas principais atrações.
Ciente como professor das dificuldades encontradas por muitas escolas para a realização de passeios culturais, Alonso criou em seguida outro projeto itinerante, desta vez, a Expo-Museu do Mar na Escola. Desenvolvido com o propósito de levar uma mostra do acervo biológico diretamente às instituições de ensino, o evento alia conhecimento científico e educação ambiental, tendo já visitado diversos estabelecimentos públicos e privados.
Em 10 de setembro de 1993, através de acordo firmado com a família do engenheiro civil Carlos Alfredo Hablitzel (1919-1988), a Sociedade Museu do Mar adquiriu o acervo do extinto Museu Histórico e Naval de São Vicente, assumindo então um novo e grande desafio: o erguimento do Museu Marítimo.
Em 15 de setembro de 1997, contando novamente com recursos próprios, a Sociedade Museu do Mar inicia a obra para a construção da nova entidade, com objetivo de dar continuidade à obra de Carlos Alfredo Hablitzel, um notório pesquisador de História Marítima e naufrágios, bem como, estimado amigo de Luiz Alonso Ferreira.
Em 1999, o diretor-presidente da Sociedade Museu do Mar viabiliza o Projeto Manguezal, possibilitando a estudantes de todos os ciclos de ensino o conhecimento in loco desse ecossistema e despertando a consciência de preservação de um dos principais habitats do planeta Terra.
Entre 03 e 08 de setembro de 2000, na cidade de Parnaíba, Piauí, Alonso apresentou um painel sobre o referido projeto no “VI Encontro Nacional de Educação Ambiental em Áreas de Manguezal”.
Desafios pessoais
Grande entusiasta de trilhas e aventuras, em 21 de agosto de 2001, Alonso iniciou uma longa caminhada solitária de 137 quilômetros, partindo de Santos em direção à Ilhabela. Anotando durante uma semana em seu diário as impressões sobre a jornada através das belíssimas praias do litoral norte de São Paulo, a caminhada revelou-se não somente uma vitória pessoal, como especialmente uma significativa experiência espiritual, porquanto fora concebida como preparação para a ainda sonhada caminhada de Santiago de Compostela, na Espanha.
Em 18 de março de 2004, partiu para um novo desafio, desta vez rumo ao litoral sul de São Paulo, perfazendo em quatro dias os 100 quilômetros entre Santos e Peruíbe.
O Museu Marítimo
Em 17 de dezembro de 2005, Alonso concretizou um de seus projetos profissionais mais alentados, com a inauguração do Museu Marítimo.
Localizado próximo ao Museu do Mar, na Ponta da Praia, bairro de forte tradição pesqueira, o Museu Marítimo expõe um dos principais acervos de Arqueologia Submarina e História Marítima do Brasil.
Desde então, as visitas aos dois museus foram agregadas, reunindo biologia marinha e história marítima num empreendimento cultural único.
Atualmente, com o apoio da esposa e dos filhos, Luiz Alonso Ferreira dedica-se às atividades desenvolvidas pela Sociedade Museu do Mar, almejando novos projetos para a instituição.
“O Museu do Mar significa para mim uma missão cumprida, pois foi construído com muita seriedade, honestidade e amor. Tenho certeza que nele está um pedaço do meu coração” – Luiz Alonso Ferreira, em entrevista para o jornal A Tribuna de Santos, publicada em 30 de junho de 2014, por ocasião dos 30 anos do Museu do Mar.