No começo de novembro de 1917, dois navios mercantes brasileiros, o Acari e o Guaiba foram torpedeados pelo submarino alemão U-151, próximo à ilha de São Vicente, em Cabo Verde, então território português.
Poucos dias antes, em 26 de outubro de 1917, respondendo aos protestos populares, o Brasil havia declarado guerra ao Império Alemão e seus aliados. Desde abril, embarcações brasileiras vinham sendo afundadas por submarinos alemães, que atacavam quaisquer navios que entrassem nas zonas de bloqueio naval em águas europeias.
Nos cem anos da participação do Brasil na I Guerra Mundial, Diário de Bordo recorda a atuação de nossa Marinha no conflito que mudou o curso da História no século XX.
Antecedentes históricos
Em 4 de agosto de 1914, uma semana após o início da I Guerra Mundial, o Brasil declarou sua neutralidade no conflito.
Um primeiro incidente ocorreu em 1916, quando o navio brasileiro Rio Branco foi torpedeado por um submarino alemão. Apesar da repercussão negativa que o fato gerou, o ataque não foi visto como ilegal, pois a embarcação navegava a serviço inglês e em águas restritas, tripulada principalmente por noruegueses.
Quando a guerra eclodiu, o Brasil ainda era um país essencialmente agrário, cuja economia dependia principalmente da exportação do café. Como o produto não era essencial, as exportações diminuíram, prejudicando o saldo da balança comercial. A situação se agravou com o bloqueio naval alemão, bem como, com a proibição da importação de café feita pela Inglaterra, em 1917, a qual visava reservar mais espaço nos navios a produtos vitais.
Essa difícil realidade econômica foi agravada quando o governo imperial alemão passou a autorizar seus submarinos a afundar quaisquer navios que entrassem nas zonas de bloqueio naval.
Desse modo, o primeiro incidente significativo ocorreu em 5 de abril de 1917, quando o vapor brasileiro Paraná foi atacado por um submarino alemão na costa da França, provocando a morte de três brasileiros. Com 4.466 toneladas, a embarcação torpedeada era um dos maiores navios da marinha mercante, navegando carregada de café, de acordo com as exigências feitas a países neutros.
O afundamento do vapor Paraná logo repercutiu na imprensa brasileira, gerando protestos antigermânicos (pacíficos e violentos) em diversas capitais. Na agitação das ruas, sindicalistas, pacifistas, anarquistas e comunistas contrários à guerra entravam em choque com grupos nacionalistas favoráveis à entrada do país no conflito.
Rompimento de relações diplomáticas e novos ataques
Em resposta aos crescentes protestos populares, em 11 de abril de 1917, o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Triplice Aliança, o bloco militar liderado pelo Império Alemão. Em 20 de abril, em outro ataque na costa francesa, o navio Tijuca foi torpedeado por submarino alemão.
Em represalia, o governo brasileiro confiscou 42 navios alemães que estavam em portos nacionais, a título de indenização. Tais embarcações aumentaram consideravelmente a frota brasileira, representando um quarto de nossos navios.
Seguiu-se então uma série de novos ataques alemães aos seguintes vapores: Alegrette, Baependi, Bagé, Barbacena, Cabedello, Campos, Lages e Parnaiba.
Em 27 de julho de 1917, o vapor Lapa foi atingido por três tiros de canhão de um submarino alemão. Em 23 de outubro, o cargueiro Macau, um dos navios arrestados, foi torpedeado pelo U-93, perto da costa da Espanha, sendo seu comandante feito prisioneiro.
Declaração de guerra
Os novos ataques alemães aumentaram os protestos populares e no dia 26 de outubro de 1917, o Brasil declarou guerra à aliança germânica. Já em estado de guerra, no dia 1 e 3 de novembro, os navios mercantes Acari e Guaíba, respectivamente, foram torpedeados, próximo a São Vicente, em Portugal, pelo submarino alemão U-151.
Uma das primeiras medidas do governo brasileiro em guerra foi a abertura de nossos portos às nações aliadas e o patrulhamento do Atlântico Sul contra a presença inimiga. Os compromissos do Brasil no conflito foram assumidos na Conferência Interaliada. reunida em Paris, de 20 de novembro a 3 de dezembro de 1917. À Marinha coube a maior, embora modesta, contribuição militar brasileira na Grande Guerra.
A Divisão Naval em Operações de Guerra
O Ministro da Marinha durante a Guerra Mundial era o Almirante Alexandrino Faria de Alencar (1848-1926), responsável pela organização de uma força naval brasileira para apoiar seus aliados.
Através do Aviso Ministerial n° 501, de 30 de janeiro de 1918, foi constituída a Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), composta por oito navios:
• Cruzador Rio Grande do Sul, capitânia, sob o comando de José Machado de Castro Silva;
• Cruzador Bahia, sob o comando de Tancredo de Gomensoro;
• Contra-Torpedeiro Piauhy (CT-3), sob o comando de Alfredo de Andrada Dodsworth;
• CT Rio Grande do Norte (CT-4), sob o comando de José Felix da Cunha Menezes;
• CT Parahyba (C7-5), sob o comando de Manoel José Nogueira Gama;
• CT Santa Catarina (CT-9), sob o comando de Adalberto Guimarães Bastos
•Tender Belmonte, sob o comando de Benjamin Goulart. Ex-Valésia, navio alemão arrestado. Popularmente, ficou conhecido à época pelo apelido de Guiomar Novais, pois como a famosa pianista, em cada porto fazia um conserto;
•Rebocador Laurindo Pitta, sob o comando de Nelson Simas de Sousa.
Todos os comandantes eram Capitães-de-Corveta, exceto Gomensoro, que era Capitão de-Fragata, e Simas de Sousa, 1o Tenente. Entre oficiais e praças, totalizavam 1.515 homens, embarcados pelo sistema de voluntariado. Para o comando da D.N.O.G. foi designado um dos oficiais de maior prestigio na época, o Contra-Almirante Pedro Max Fernando Frontin (1867-1939), nomeado pelo Aviso Ministerial.
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Os preparativos
Os navios da DNOG concentraram-se na baía de Guanabara, recebendo rápidos reparos. A ausência dos materiais necessários para os trabalhos no país, bem como, de maquinaria pesada e técnicos qualificados, atrasaram e prejudicaram os preparativos. O
Contra-Almirante Frontin, e seu Estado-Maior tiveram de desempenhar um árduo trabalho, providenciando diversos e exaustivos exercícios de tiro real ao largo da ilha Grande e na baía de Jacuecanga, no litoral sul do Rio de Janeiro.
Em 7 de maio, a esquadra da DNOG zarpou rumo ao nordeste do Brasil. Pelo Aviso Secreto no 235, do Ministro da Marinha, datado de 14 de maio, o Contra-Almirante Frontin achava-se investido de poderes excepcionais, dos quais nunca abusou. Os oito navios aportaram em Salvador, Recife e Natal, aproveitando o comandante para prosseguir nos treinamentos de seus subordinados, cumprindo um programa previamente traçado em diversas fainas de guerra.
No final de julho, as embarcações agruparam-se em Fernando de Noronha. Cada homem sabia exatamente o que fazer em qualquer situação de emergência.
A D.N.O.G em ação
A esquadra brasileira recebeu a missão de patrulhar a área compreendida pelo triângulo marítimo na costa noroeste africana, cujos vértices eram a cidade de Dacar, no atual Senegal, o arquipélago de São Vicente, em Cabo Verde (então território português) e o Estreito de Gibraltar, na entrada do Mediterrâneo. A missão naval brasileira ficou sob as ordens do Almirantado britânico, representado pelo Almirante Hischcot Grant. Para comandá-la, foi designado um dos oficiais de maior prestígio na época, o Contra-Almirante Pedro Max Fernando Frontin (1867-1939), nomeado pelo Aviso Ministerial.
A guerra no mar para o Brasil teve início no dia 1 de agosto de 1918, quando a DNOG suspendeu ferros de Fernando de Noronha para atravessar o Atlântico com destino a Gibraltar. Nesse interim, no dia 3 de agosto, o submarino alemão U-43 torpedeava o navio Maceió.
Em 9 de agosto de 1918, a DNOG atingiu Freetown, na atual Serra Leoa, onde seu comandante apresentou-se ao Almirante Sheppard, sob cujo comando ficava a força brasileira. Ali permaneceram os navios por 14 dias. Foi então que a tripulação começou a adoecer com o vírus da gripe espanhola, terrível pandemia que naquele fatídico ano se espalhava pelo mundo.
Na noite de 25 de agosto. na travessia de Freetown para Dacar, a divisão sofreu um ataque submarino alemão, cujos torpedos passaram sem causar danos entre os navios, os quais lançaram um contra-ataque usando cargas de profundidade, tendo a Marinha Real Britânica creditado aos brasileiros o afundamento de um submarino inimigo.
Em Dacar, a divisão naval perdeu 464 homens, vitimados pela gripe espanhola, que imobilizou a missão brasileira por dois meses naquele porto.
Seguindo as instruções do Almirantado Britânico, o Piauí partiu a 9 de setembro para as ilhas de Cabo Verde, levando oito doentes a bordo. Na altura de São Vicente, a situação sanitária se agravou diante da disseminação da gripe. Contudo, o ar mais salubre contribuiu para a recuperação de muitos. Algumas patrulhas foram executadas e, em 19 de outubro, o Piauí regressou a Dacar, deixando sepultados, naquela possessão portuguesa, quatro tripulantes.
As divergências no comando naval aliado
O emprego da frota brasileira no conflito gerou um grande debate entre o comando naval aliado. Segundo Paul G. Halpern, em seu livro A naval history of World War I, “os italianos queriam os brasileiros) no Mediterrâneo, já os americanos preferiam que trabalhassem em estreita colaboração com suas próprias forças no Atlântico Norte, enquanto os franceses queriam mantê-los na proteção do tráfego marítimo comercial ao longo da costa ocidental norte-africana, entre Dacar e Gibraltar.”
As divergências do comando aliado, o longo atraso em 1918 para lançar a esquadra ao mar devido à problemas operacionais e a epidemia que atingiu a tripulação no final de agosto, atrasaram a chegada da frota brasileira ao Mediterrâneo.
Somente em 3 de novembro, a DNOG reiniciou a viagem para Gibraltar, com oficiais e praças vindos do Brasil para completarem as baixas. Permaneceram em Dacar os seguintes navios: o Rio Grande do Sul, que precisava mudar a tubulação dos condensadores, o Rio Grande do Norte, com vários problemas nas máquinas, o Belmonte, com um carregamento de trigo para o governo francês, e o Laurindo Pitta, que se aprestava para retornar ao Brasil.
Alarme em Gibraltar
Em 9 de novembro de 1918, o encouraçado inglês H.M.S. Britannia foi torpedeado e afundado pelo submarino alemão UB -50, na altura do Cabo Espartel, próximo ao Estreito de Gibraltar.
Poucas horas depois, a desfalcada Divisão Naval Brasileira em Operações de Guerra (DNOG) chegou ao local e, junto com outras unidades navais inglesas, iniciou gigantesca operação de caça ao submarino atacante, participando assim do último combate naval da | Guerra Mundial.
Em 10 de novembro, os navios brasileiros entraram em Gibraltar para reabastecimento. No dia seguinte, a Alemanha capitulava, assinando o armistício que selava o fim da Grande Guerra.
Missão cumprida!
A modesta participação do Brasil no esforço de guerra aliado garantiu ao país assento na Conferência de Paz de Paris, que deu origem ao Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919, que definia os termos da paz com as nações derrotadas.
O Brasil enviou uma comitiva chefiada pelo futuro presidente Epitácio Pessoa (1865 1942), obtendo da Alemanha o pagamento com juros do café perdido com os navios naufragados, a indenização das sacas de café apreendidas em portos alemães quando da declaração de guerra e a incorporação à frota brasileira a preços simbólicos de setenta navios dos Impérios Centrais (a maioria alemã), os quais haviam sido apreendidos em águas brasileiras a partir da entrada do país no conflito.
Com sua participação na Conferência de Paz de Paris, O Brasil tornou-se também um dos fundadores da Liga das Nações.
Quanto à Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), após seu retorno ao Brasil, foi dissolvida em 25 de junho de 1919, cumprindo integralmente sua missão.