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A Expedição Kon-Tiki

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A Expedição Kon-Tiki

A Expedição Kon-Tiki

Há 70 anos, uma primitiva jangada tripulada por seis aventureiros nórdicos encalhava nos recifes do atol de Raroia, no arquipélago de Tuamotu, Polinésia Francesa, 101 dias após sua partida do porto de Callao, no Perú, distante 7 mil quilômetros. Liderada pelo explorador norueguês Thor Heyerdahl, a expedição Kon-Tiki não apenas assinalou um dos maiores feitos da história marítima, mas ainda demonstrou ao mundo a viabilidade da tese do povoamento dos mares do Sul a partir de navegações empreendidas pelos povos da América pré-colombiana. Explore mais em Diário de Bordo a história da célebre expedição que revelou as relações pré-históricas entre a América e a Polinésia. 

A jangada Kon-Tiki

A lenda de Kon-Tiki 

Em 1937, o jovem estudante Thor Heyerdahl e sua esposa Liv (foto abaixo, à esquerda) estavam em lua-de-mel em Fatu Hiva, a ilha mais meridional do arquipélago das Marquesas, na Polinésia Francesa. Certa noite, o casal contemplava o Oceano, sentado na areia da praia, fogueira. Um velho nativo seminu, chamado Tei Tetua, o único sobrevivente de todas as extintas tribos da costa oriental de Fatu Hiva, mexia com um graveto nos tições para que não se apagassem. Foi então que o velho Tei Tetua contou a lendária história do grande deus-chefe polinésio Tiki, o filho do sol: 

– Tiki era ao mesmo tempo deus e chefe. Foi Tiki quem trouxe meus antepassados para estas ilhas onde agora vivemos. Antes nós morávamos numa grande região para lá do mar. Naquela mesma noite, ao retirar-se para sua choupana, Thor não conseguia pegar no sono. Com a lenda de Tiki revirando sua cabeça, procurou sua esposa e lhe perguntou: 

– Liv, você notou que as colossais representações de Tiki em pedra lá na selva se parecem notavelmente com os gigantescos monólitos, reliquias de civilizações extintas da América do Sul? 

De regresso à Noruega, fascinado pela experiência em Fatu Hiva, Thor começou a abandonar a Zoologia para dedicar-se aos estudos dos povos primitivos. Uma ideia fixa passou a dominálo: decifrar os mistérios do povoamento dos mares do Sul e identificar a realidade histórica por detrás da lenda do herói Tiki. Ao prosseguir em suas pesquisas, Thor deparou-se com a lenda inca do rei-sol Virakocha, chefe supremo de um desaparecido povo do Perú, de pele branca. O nome original do deus-sol Virakocha, que parece ter sido mais usado no Perú em tempos idos, era Kon-Tiki, que significa Sol-Tiki ou Fogo-Tiki. Segundo a lenda, Kon-Tiki era sumo sacerdote e rei-sol dos lendários homens brancos que tinham deixado as enormes ruínas do lago Titicaca. Numa batalha travada numa ilha do lago Titicaca, os misteriosos brancos barbados foram trucidados pelos incas. Kon-Tiki e seus companheiros mais próximos sobreviveram e conseguiram escapar para a costa do pacifico de onde finalmente desapareceram sobre o mar. Para o pesquisador não restavam mais dúvidas. O branco deus-chefe Sol-Tiki derrotado pelos incas era o mesmo deus-chefe Tiki, filho do sol, a quem os habitantes de todas as ilhas orientais do Pacífico, entre eles o velho Tei Tetua, reconheciam como o primitivo fundador da raça. Desse modo, ao considerar a lenda de Kon-Tiki, preservada tanto no Perú, em redor do lago Titicaca, como entre os naturais das ilhas do Pacífico, Thor Heyerdahl concebeu a tese da colonização das ilhas dos mares do Sul por povos brancos da América do Sul pré-colombiana. 

Nasce uma expedição 

Com o início da II Guerra Mundial, Heyerdahl teve de interromper seus estudos, servindo como voluntário nas Forças Armadas Norueguesas, atuando eventualmente como pára-quedista em uma unidade de Finmark. Ao fim do conflito, retomou suas pesquisas e, convicto de sua teoria, partiu à América a fim de prová-la. Em Nova Iorque, o pesquisador enviou cópias de seus estudos para diversas universidades americanas, mas sem obter nenhuma resposta. Ao mesmo tempo, frequentava as reuniões do Clube de Exploradores de Nova Iorque, expondo seu plano de construir uma jangada de pau-de-balsa, semelhante as utilizadas pelas antigas civilizações peruanas, com o propósito de atravessar o Pacífico e atingir a Polinésia. Somente assim sua controversa teoria poderia ganhar a atenção do mundo cientifico. Mas onde encontrar homens dispostos a embarcarem numa viagem de 4.300 milhas náuticas através do Pacífico a bordo de uma primitiva jangada? Naquele tempo, Heyerdahl estava hospedado no Lar dos Marinheiros Noruegueses, no Brooklin, onde “a alimentação era boa e substanciosa e os preços condiziam com a minha bolsa”. Um dia, sentou-se à mesa, ao seu lado, um engenheiro de Trondheim, que se achava na América para comprar acessórios de maquinaria e adquirir experiência na técnica de refrigeração. Seu nome era Herman Watzinger. Diante daquele compatriota de “semblante bom e amigo”, Thor expôs seu ousado plano. Watzinger retornou quatro dias depois e, na mesma sala de refeições, manifestou a Heyerdahl seu desejo de participar da expedição. “Ambos éramos marinheiros-de-primeira-viagem”, reconhecera Thor, mas de qualquer modo ele não estava mais sozinho na aventura. 

Apesar do ceticismo de muitos quanto ao sucesso da empreitada, Heyerdahl e Watzinger encontraram o “caloroso alento” de Peter Freuchen (1886-1957), o famoso explorador dinamarquês do Ártico. Num dos encontros no Clube de Exploradores, Freuchen contara-lhes sobre suas experiências a bordo de uma jangada, quando descera os grandes rios da Sibéria, lembrando também que havia rebocado nativos em jangadas presas à popa de um navio ao longo da costa do Artico. 

Membros da Expedição Kon-Tiki. Da esquerda para a direita: Knut Haugland, Bengt Danielsson, Thor Heyerdahl, Erik Hesselberg, Torstein Raaby e Herman Watzinger.

A partir de então, o plano de Heyerdahl ganhara notoriedade pública, sendo logo divulgado pela imprensa escandinava. Junto a Watzinger, começou a trabalhar a sério no projeto, precisando agora “encontrar quatro homens idôneos que se dispusessem a ir conosco na jangada e arranjar provisões para a viagem”. Até então, Heyerdahl mantinha-se resolutamente contrário ao uso de qualquer tecnologia a bordo. Watzinger, todavia, convenceu-o a procurar tripulantes peritos em radiotransmissão, de sorte a transmitir observações sobre o tempo e outras comunicações. Em sua opinião, isso não afetaria de nenhum modo a teoria de Heyerdahl. 

A sugestão de Watzinger levou Thor a escrever para Knut Haugland e Torstein Raaby. dois compatriotas que conhecera no tempo da guerra, quando serviu por um período numa seção de radiotransmissão. Haugland era um especialista de rádio condecorado pelos britânicos por ações de sabotagem contra os alemães nas águas norueguesas. Raaby ganhara experiência de rádio ao se esconder atrás das linhas alemās durante o conflito, espionando o couraçado Tirpitz. Suas transmissões secretas eventualmente ajudaram a guiar os bombardeiros aliados que afundaram o navio na costa da Noruega. Após a adesão de Haugland e Raaby, uniram-se à expedição os dois últimos tripulantes, o navegador e artista norueguês Erik Hesselberg e o sociólogo sueco Bengt Danielsson, um estudioso das teorias de migrações humanas, leitor voraz, o único da tripulação que falava espanhol. 

Na América do Sul 

Definidos os integrantes da expedição, o próximo desafio era partir para a América do Sul e conseguir os toros de pau-de-balsa para a construção da jangada. O destino escolhido foi o Equador, onde entraram em contato com o rei do comércio da balsa no país, Dom Gustavo von Buchwald. Seus agentes, porém, encontraram nas serrarias apenas pranchas, tábuas leves e vigas curtas avulsas. Heyerdahl cogitou então ir pessoalmente às matas cortar as árvores conforme os padrões necessários, mas foi desaconselhado em razão da época de chuvas que inviabilizava as viagens pelas estradas da região. Para evitar atrasos na execução do projeto que pudessem aumentar os custos da expedição, Heyerdahl teve outra ideia. Junto com Watzinger, tomou um avião até a capital Quito, e instalando-se em um hotel, passou a procurar meios de transporte sobre as montanhas, pelo interior da selva, até as florestas de Quevedo, o local das balsas. Já no dia seguinte, os dois exploradores estavam na casa de campo do Cônsul-Geral da Noruega, Bryhn, que ao lado da esposa ouviu os planos da expedição e as dificuldades enfrentadas para se obter os toros de pau-de-balsa. Em companhia do consul-geral, partiram para a embaixada americana para pedir o apoio do adido militar. Na manhã seguinte, um jipe parou à porta do hotel com um capitão de engenheiros equatoriano, incumbido de levar os noruegueses a Quevedo, com ou sem lama. Percorrendo os despenhadeiros dos Andes, a 3.600 metros de altitude, o jipe alcançou Quevedo, hospedando-se os exploradores na propriedade rural de Dom Federico, cujos empregados partiram a cavalo em todas as direções para procurarem balsas acessíveis, ao longo dos caminhos. Dom Federico, Heyerdahl e Watzinger formaram seu próprio grupo de busca. Watzinger sentiu-se adoentado e enfraquecido por vários dias, o que não o impediu de galopar pelos caminhos da selva à procura de balsas gigantescas. De quando em quando, ouvia-se um rangido e um estalo seguido de tremendo baque, algures na mata virgem. Isso significava que os indios mestiços haviam derribado mais uma gigantesca árvore para a jangada. Dentro de uma semana, doze possantes balsas foram reunidas, cada qual pesando cerca de uma tonelada e batizada em honra de lendárias figuras da Polinésia, cujos nomes tinham sido, juntamente com Tiki, levados do Peru sobre o mar: Ku, Kane, Kama, ilo, Mauri, Ra, Rangi, Papa, Taranga, kura, Kukara e Hiti. Os toros, porejando seiva, eram arrastados pela selva, primeiro por cavalos, e depois por um trator, que os trazia até a margem do rio Palenque, de onde foram conduzidos até o Pacífico. 

Os troncos de balsa sendo conduzidos do rio Palenque para o Pacífico

Em Guaiaquil, Heyerdahl e Watzinger separaram-se. O líder da expedição tomou um avião para Lima, capital do Peru, a fim de procurar local adequado para a construção da jangada. Seu companheiro ficou responsável por embarcar os troncos de balsa num vapor costeiro, rumo ao Peru. Ao descer em Lima, Heyerdahl seguiu para o porto de Callao, “coalhado de navios, guindastes, armazéns, barracões para a alfândega, escritórios portuários e quejandas”. De tudo que vira, porém, a reservada área do porto naval lhe pareceu a mais apropriada para a construção da jangada. Após um contato infrutífero com o Ministro da Marinha, Heyerdahl solicitou uma audiência direta com o presidente do Peru, Dom José Bustamante y Rivero. Dois dias depois, Heyerdahl estava no Palácio de Lima, expondo sua teoria ao presidente.

– Se é admissível que as ilhas do Pacífico tenham sido descobertas por intermédio do Peru, este país tem interesse na expedição. Diga-nos se podemos fazer alguma coisa pelo senhor – dispôs-se a colaborar o presidente. 

E assim uma área do estaleiro naval do porto de Callao foi cedida para a construção da jangada. Pela primeira vez, em centenas de anos, uma jangada de pau-de-balsa ia ser construída na baía de Callao. 

A construção da jangada de pau-de-balsa, em área naval do porto de Callao, no Peru. Os nove enormes troncos foram amarrados com cordas de cânhamo. Na construção não se fez uso de pregos nem de metais

Em seu livro, “A Expedição Kon-Tiki”, Thor Heyerdahl precisou os detalhes da construção: 

Os nove troncos mais grossos foram escolhidos para compor a verdadeira jangada. Fundos sulcos foram abertos na madeira para impedir que escorregassem as cordas que, passando por eles, deviam amarrar toda a jangada. Nem um único prego, cavilha ou cabo de arame foi usado em toda a construção. Os nove grandes troncos foram primeiro colocados lado a lado na água, de modo que pudessem todos cair livremente na sua posição natural flutuante, antes de serem fortemente amarrados uns aos  outros, o tronco  mais longo de 1270 metros foi colocado no centro .Toros sempre mais curtos foram postos simetricamente a um e outro lado do maior, de modo que os lados da jangada tinham 9 metros de comprimento, e a proa emergia como um tosco arado.

A ré a jangada tinha um corte transversal, mas os três troncos do centro se projetavam e sustentavam um cepo de pou-de-balsa curto e grosso, que ficava em posição obliqua à embarcação e continha pelos toletes o longo remo de direção. Depois que os nove troncos foram fortemente amarrados uns aos outros com cânhamo, os toros finos de bolsa foram amarrados de tras sobre aqueles, a intervalos de 90 cm. A jangada fora laboriosamente ligada com cordas de mil comprimentos diferentes, cada uma entrançada de nós firmíssimos. Sobre ela foi posta uma cobertura feita de taquaras, amarradas à jangada em forma de sarrafos separados recobertos com esteiras soltas de bambu trançado. No meio da jangada, mais perto da popa, erguemos uma pequena cabana de bambu com paredes também de bambu, e telhado de fasquias de bambu com folhas de bananeira encaixadas umas nas outras, à guisa de telhas. À frente da cabana levantamos dois mastros, um ao lado do outro. Eram de mangueiro duro como o ferro; inclinados um contra o outro no topo, eram amarrados em cruz. A enorme vela quadrada foi armada numa verga feita de duas hastes de bambu, amarradas para reforço e segurança. Os toros de madeira que nos deviam conduzir através do mar eram afilados ligeiramente nas extremidades à moda indígena, para deslizarem com mais facilidade na água. Para protão contra borrifos, foram ligadas tábuas bem baixas à proa, acima da superficie do mar. Em vários lugares onde existiam fendas maiores, introduzimos cinco sólidas pranchas de abeto, cujas pontas sob a jangada imergiam na água. Postas mais ou menos a esmo penetravam um metro e meio na água. Ficavam presas no lugar por meio de cunhas e cordas, servindo de pequeninas quilhas paralelas. Quilhas assim eram usadas em todas as jangadas de pau-de-balsa no tempo dos incas, muito antes da época dos descobrimentos, e evitavam que as jangadas chatas vogassem para os lados à mercê do vento e das ondas. Não pusemos nenhuma grade ou proteção em volta da jangada, mas tínhamos um toro de balsa, comprido e mais fino, que oferecia apoio aos pés. A construção era uma cópia fiel das antigas embarcações do Peru e do Equador, com excão dos guarda-borrifos, colocados nas proas, que posteriormente verificamos serem inteiramente desnecessários. 

Concluída a construção, a jangada foi rebocada para fora da área naval. Em 27 de abril de 1947 foi hasteada a bandeira norueguesa, e ao longo da verga, no topo do mastro, tremulavam as bandeiras dos países estrangeiros que tinham dado apoio prático à expedição. O cais formigava de gente, especialmente jornalistas, representantes da armada, do governo e embaixadores. Gerd Vold, secretária da expedição e encarregada de se manter em contato com a tripulação no continente, batizou a jangada com o nome “Kon-Tiki”, em homenagem ao rei sol que havia desaparecido para as bandas do ocidente, navegando pelo mar do Peru à Polinésia há 1500 anos. Ela também esmagou com força um coco rachado na primitiva embarcação, batizando-a com leite de coco, para se manter a tradição da idade da pedra. Finalmente, foi içada a verga de bambu e desenrolada a vela, tendo ao centro, pintada em vermelho pelo artista tripulante Erik Hesselberg, a cara barbada de Kon-Tiki, uma cópia fiel da cabeça do rei-sol, esculpida em pedra vermelha nas ruinas da cidade de Tiahuanaco. A “Kon-Tiki” estava pronta para a travessia do Pacífico. Para Thor Heyerdahl, de uma coisa todos os tripulantes tinham certeza: “Se fora da baía a jangada se despedaçasse, preferíamos remar para a Polinésia, cada um sobre um tronco, ao vexame de voltar ali sem ela”. 

A jangada Kon-Tiki, com a cabeça do rei-sol pintada ao centro da vela

7.000 quilômetros através do Oceano Pacífico 

A “Kon-Tiki” deixou Callao na tarde de 28 de abril de 1947. O Ministro da Marinha tinha dado ordens para que o rebocador naval Guardián Ríos levasse a jangada até fora da barra, colocando-a bem longe do movimento costeiro, lá no ponto distante onde, em tempos passados, os indios costumavam pescar a bordo de suas jangadas. De última hora, um último tripulante havia ingressado a bordo: um papagaio verde que Watzinger recebera como presente de despedida de uma pessoa amiga, em Lima. O vento começou a soprar favoravelmente e, sob um brilhante céu azul, a expedição seguiu a corrente de Humboldt, que carreia do Antártico as frias massas de água arrastando as para o norte, ao longo da costa do Peru, até se desviarem para oeste e além, atravessando o oceano exatamente debaixo do Equador. Tosca e larga, pesada e sólida, a jangada seguia para a frente patinhando sossegadamente sobre as ondas. Não tinha pressa, mas quando resolvia mexer-se, seguia avante com indomável energia. Um dos primeiros problemas enfrentados pela tripulação foi a organização do governo da embarcação. A luta era árdua: enquanto três homens pelejavam com a vela, os outros três remavam com o remo de comando para pôr na devida posição o bico de proa da jangada de madeira, afastando-o do vento. Com 5,80 metros de comprimento, o remo de direção era um longo pau de mangueiro, resistente como o aço, mas que de tão pesado corria o risco de ir para o fundo se caísse na água. Ainda na corrente de Humboldt, exatamente a 100 milhas da terra, a expedição tentava evitar os traiçoeiros redemoinhos ao sul das Galápagos. Neste ponto, surgiu outra questão: os toros de balsa absorviam água e o tempo de flutuação da jangada começou a ser discutido. Em seus cálculos, a tripulação avaliou que, naquela proporção de penetração de água, a jangada ficaria sob a superfície pelo menos até a aproximação da terra. A pressão a que estavam sujeitas no mar as cordas de cânhamo também foram debatidas. Durante todas as noites podia-se ouvi-las gemer e chiar, atritando-se e rangendo. Desse modo, a cada manhà era feito um minucioso exame das cordas, de modo a se identificar possíveis pontos de rompimento. A verdade, porém, é que as cordas aguentaram. 

Um dos menores problemas era a alimentação. Heyerdahl relatou que quase todos os dias os peixes rodeavam a jangada, que costumava ser visitada por atuns, bonitos – o peixe preferido da tripulação – dourados e até tubarões. Algumas vezes, os peixes vinham parar espontaneamente nas mãos dos navegantes, como ocorria com os peixes-voadores. Atraídos pela luz à noite, grandes e pequenos, caíam sobre a jangada. Foi assim, que numa noite, atraída por uma lâmpada de parafina, uma rara cavalinha-serpente (Gempylus) veio parar a bordo da jangada. Um outro espécime apareceu uma semana depois, “acabando seus dias dentro de um frasco de formalina” 

Na corrente equatorial do sul, a 400 milhas das Galápagos, a expedição “Kon-Tiki” encontrou um enorme tubarão-baleia, que durante uma hora nadou em círculos em torno da jangada. Ignorando tratar-se de uma espécie inofensiva e assustado com o tamanho do tubarão, Erik Hesselberg acabou afugentando-o com um golpe de arpāo na cabeça. No meio do caminho, semanas após a partida em Callao, nenhum navio nem qualquer tipo de embarcação foram avistados. A “Kon-Tiki” parecia navegar sozinha pelo Pacífico. “O oceano inteiro era nosso e, com todas as portas do horizonte abertas, uma paz real e a verdadeira liberdade desceram do firmamento sobre nós”, escreveu Heyerdahl. Na tranquila travessia, Knut e Torstein mantinham em funcionamento a pequena estação de rádio 30 centímetros acima da superfície da água. Agora as baleias visitavam a jangada e a tripulação tornava-se hábil na pesca de tubarões, que mediam em geral 1,80 a 3 metros de comprimento. Há 45 dias no mar, na metade do caminho para as primeiras ilhas, a milhas da América do Sul, restando a mesma distância para a Polinésia, a oeste. 

A farta colheita de atuns, tubarões e bonitos

No dia 21 de julho de 1947, de subito, o vento cessou, seguindo-se absoluta calmaria. Passado algum tempo, depois de algumas violentas lufadas de este, oeste e sul, o vento declinou e uma brisa soprou do sul, onde nuvens pretas e ameaçadoras tornaram a acumular-se no horizonte. De repente, o saco de dormir de Watzinger caiu no mar. Na tentativa de agarrar o saco que afundava, ele deu um passo em falso e caiu na água. Heyerdahl e Torstein, gelados de medo, gritaram: “Homem ao mart”. Enquanto Bengt e Heyerdahl lançavam um bote na água, Knut e Erik atiravam o cinto salva-vidas, mas Watzinger achava-se já bem afastado do remo de direção, nadando desesperadamente para acompanhar a jangada, enquanto a distância aumentava com cada rajada de vento. Para salvar o amigo, Knut pulou na água com um salva-vidas. Os dois homens nadaram um para o outro e conseguiram aferrar o salva-vidas. Os quatro tripulantes na jangada agarraram então a linha do salva-vidas e puxaram os companheiros para bordo. Foi esta a experiência mais dramática da expedição, assim lembrada por Heyerdahl:

“Naquela noite, não houve outros comentários tão alegres. Muito tempo depois, nós ainda sentíamos um frio correr-nos pelos nervos e ossos. Entretanto, nossos arrepios se misturavam com um cálido sentimento de gratidão por estarmos de novo todos seis a bordo”. 

Em toda a expedição, a “Kon-Tiki” enfrentou duas tempestades. Ao fim da jornada, as juntas estavam bem enfraquecidas. O esforço despendido em galgar ondas a pique havia estirado todas as cordas, e os troncos, no seu trabalho contínuo, tinham feito as cordas roer o pau-de-balsa. Pouco antes de 3 de julho, a expedição estava a 1.000 milhas marítimas da Polinésia. Em 17 de julho, a tripulação avistou dois grandes sulas-patolas acima do horizonte, para as bandas do oeste, que logo passaram em vôo baixo sobre o mastro. Foram eles os primeiros mensageiros vivos que vieram dar as boas-vindas da Polinésia. A primeira vista da terra pela tripulação foi o atol de Pukapuka, nas ilhas Cook, em 30 de julho. No dia 4 de agosto, no 97o dia após a partida, a “Kon-Tiki” chegou ao atol de Angatau. A tripulação fez um breve contato com os habitantes da ilha de Angatau, mas não conseguiram  ancorar com segurança os cálculos feitos por Heyerdahl antes da viagem indicaram que 97 dias eram o tempo mínimo necessário para chegar às ilhas dos Tuamotu, de modo que o encontro em Angatau mostrou que ele estava praticamente correto. 

Em 7 de agosto, a viagem chegou ao fim quando a balsa atingiu um recife e encalhou em um ilhéu desabitado do atol de Raroia, no arquipélago de Tuamotu. A tripulação havia quilômetros em 101 dias, a uma velocidade média de 1.5 nós (2.8 km/h). Depois de passar alguns dias sozinhos no pequeno ilhote, a tripulação foi recebida por nativos de uma aldeia em uma ilha próxima, que chegaram em canoas, após avistarem partes perdidas da jangada. A tripulação foi levada de volta para a aldeia nativa, onde foi recebida com danças tradicionais e outras festividades. Finalmente, depois de uma hospedagem principesca oferecida pelo chefe Teriieroo, os exploradores nórdicos foram retirados de Raroia para o Taiti pela escuna francesa Tamara, que trouxe a “Kon-Tiki” a reboque. Assim narrou Thor Heyerdahl o fim da grande aventura que completou 70 anos: As ondas quebravam no oceano azul. Já não nos era dado, inclinando-nos, atingi-las. Nuvens brancas, formadas pelos ventos alisios, corriam pelo céu. Não estávamos mais viajando da antiga maneira. Agora podíamos desafiar a natureza. Viajávamos em direção ao século XX, que se achava distante, muito distante. Mas nós seis, no convés, de pé ao lado dos nove grandes toros de balsa, estávamos todos vivos. E, na lagoa de Toiti, seis coroas brancas (presentes dos nativos aos membros da expedição) boiavam solitárias, para um lado e para o outro, ao sabor das marolas da praia. 

A rota seguida pela expedição “Kon-Tiki”. Partida em 28 de abril de 1947 do porto de Callao, Peru. 101 dias de travessia marítima pelo Pacífico, percorrendo 4.300 milhas náuticas (6.980 quilômetros) até atingir o atol de Raroia, no arquipélago de Tuamotu, Polinésia Francesa, em 7 de agosto de 1947

O legado 

Muito além de uma grande aventura marítima, a Expedição Kon-Tiki provou a viabilidade das viagens em jangadas entre a América e a Polinésia. Com esta expedição, Thor Heyerdahl reforçou perante a opinião pública a tese de que as ilhas do Pacífico poderiam ter sido povoadas a partir da América do Sul, em sucessivas viagens, realizadas provavelmente entre os anos 500 e 1100. 

Após a célebre expedição, o explorador norueguês dedicou-se também a estudos sobre os moais, as esculturas da ilha de Páscoa, que publicou em um livro. Ele argumentou que as estátuas monumentais conhecidas como moais se assemelhavam a esculturas mais típicas do Peru pré-colombiano do que de um estilo próprio polinésio. Acreditava ainda que o mito da ilha de Páscoa de uma luta de poder entre dois povos chamados Hanau epe e Hanau momoko era uma lembrança de conflitos entre os habitantes originais da ilha e uma onda posterior de nativos americanos da costa noroeste, o que levou à aniquilação do povo Hanau epe e a destruição da cultura da ilha e de uma economia já próspera. A maioria dos historiadores, porém, considera que os polinésios do oeste eram os habitantes originais e que a história do Hanau epe é puro mito ou uma memória de conflitos tribais ou de classe internos. 

Em 2011, o professor Erik Thorsby, da Universidade de Oslo, apresentou evidências de DNA à Royal Society, que embora concordando com a origem oeste, também identificaram uma contribuição genética distinta, mas menor, da América do Sul. O resultado foi questionado em 2012 devido à possibilidade de contaminação dos sul-americanos após o contato europeu com as ilhas. 

Em 2014, o trabalho de uma equipe, incluindo Anna-Sapfo Malaspinas, do Museu de História Natural da Dinamarca, analisou os genomas de 27 pessoas nativas de Rapa Nui e descobriu que seu DNA era, em média, 76% polinésio, 8% nativo americano e 16% europeu. A análise mostrou que “embora a linhagem europeia possa ser explicada pelo contato com os europeus brancos depois que a ilha foi descoberta em 1722 por marinheiros holandeses, a componente sul-americana era muito mais antiga, datando entre 1280 e 1495, logo após a ilha ter sido inicialmente colonizada pelos polinésios, em cerca de 1200. 

A original jangada “Kon-Tiki”, em exposição no Museu Kon-Tiki, em Oslo, Noruega

O destino da tripulação 

Thor Heyerdahl, o líder da Expedição Kon-Tiki, faleceu em Colla Micheri, Itália, em 18 de abril de 2002, aos 87 anos de idade. Em seu funeral, o bispo Gunnar Stålsett proferiu as seguintes palavras: 

O vento cessou. As velas foram arriadas. O remo de direção foi outorgado à um braço mais forte. Na costa, Thor está descansando até a manhã do Ressurreição. Deus nosso Senhor, quão grande é teu nome sobre toda a Terra! Torstein Raaby morreu em 23 de março de 1964, na Groenlândia, aos 45 anos. Foi o primeiro membro da expedição a falecer. Erik Hesselberg faleceu em Larvik, Noruega, em 15 de setembro de 1972, aos 58 anos. Herman Watzinger morreu no Peru, em 1986, aos 69 ou 70 anos. O sueco Bengt Danielsson faleceu em Estocolmo, em 4 de julho de 1997, aos 75 anos. Knut Haugland morreu em Oslo, em 25 de dezembro de 2009, aos 92 anos de idade. Ele foi o último membro vivo da Expedição Kon-Tiki. 

O filme 

Em 2012, a Expedição Kon-Tiki ganhou as telas do cinema, com o lançamento do filme “Kon-Tiki”. Dirigida por Joachim Rønning e Espen Sandberg e escrita por Petter Skavlan, a produção norueguesa traz o ator Pål Sverre Valheim Hagen no papel do explorador e etnógrafo Em 2013, o filme foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, a primeira vez que a Noruega é indicada aos dois prêmios. Os diretores conceberam o filme originalmente apenas em inglês, mas os patrocinadores, principalmente o Instituto Norueguês de Cinema que foi responsável de cerca de metade do orçamento do filme, exigiram que o filme fosse filmado em norueguês. -A bela produção é altamente recomendada aos apreciadores dos filmes de aventura e, em especial, aos entusiastas da história marítima, sendo um justo e grande tributo à Expedição Kon-Tiki.

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