Avante, Toda Forçal
Na segunda postagem da série “Batalhas Navais”, Diário de Bordo destaca os trezentos anos da Batalha de Dynekilen, episódio praticamente desconhecido pelo leitor brasileiro, mas que ajudou a selar definitivamente o destino de um grande império europeu.
A Grande Guerra do Norte
Travada em 8 de julho de 1716, a Batalha de Dynekilen insere-se na fase final da Grande Guerra do Norte. Deflagrado no ano de 1700, o longo conflito se arrastou até 1721, envolvendo uma coligação de estados formada especialmente pelo Império Russo, o Reino da Dinamarca e Noruega e a Saxônia-Polônia, contra o Império Sueco.
Diversos interesses motivaram a construção da aliança anti-sueca. O Reino da Dinamarca-Noruega pretendia recuperar territórios perdidos para os suecos no século XVII, a Saxônia-Polônia colimava derrubar a influência da Suécia na região e o Império Russo nutria pretensões territoriais na margem sul do Báltico.
O Reino da Dinamarca-Noruega era governado por Frederico IV. A Saxônia-Polônia por Augusto II, o Forte. O Império Russo, principal força da coalizão, vivia sob o reinado do czar Pedro I, o Grande. Ao eclodir a guerra, ocupava o trono sueco o jovem rei Carlos XII, então com tenros dezoito anos de idade. Tirando proveito da inexperiência do monarca, a coalizão atacou em 1700 o protetorado sueco de Holstein-Gottorp (território dividido atualmente entre Dinamarca e Alemanha), bem como, as possessões da Livonia (dividida hoje entre Estônia e Letônia) e da Ingria (território hoje russo), ações que deram início à Grande Guerra do Norte.
Embora a Grande Guerra do Norte não constitua o tema central da presente postagem, um rápido registro sobre suas principais fases contribui significativamente para uma melhor compreensão do contexto histórico da Batalha Naval de Dynekilen e sua importância para o desfecho do conflito. Apesar das ofensivas da coalizão, em 30 de novembro de 1700, na Batalha de Narva, travada no extremo oriente da Estônia, o exército sueco sob o comando de Carlos XII impôs derrota a forcas russas quatro vezes mais numerosas, comandadas por Pedro, o Grande. A vitória de Narva marcou o auge do poderio sueco no continente.
Depois de derrotar a Saxônia-Polônia e destronar Augusto II, o rei sueco tentou pôr fim à guerra, invadindo a Rússia em 1708. Todavia, em 8 de julho de 1709, na Batalha de Poltava, na Ucrânia, 19.000 suecos atacaram o campo entrincheirado do czar, defendido por 45.000 soldados russos. A vitória russa foi esmagadora e forçou Carlos Xll a buscar refúgio no Império Otomano, com apenas 1.500 soldados remanescentes.
Carlos Xll retornou do Império Otomano somente em 1714, diante de uma situação crítica. No ano seguinte, a aliança anti-sueca se reforçara, com o ingresso dos estados de Hanover e Prússia. Envolvido numa guerra sem aliados contra grande parte do norte da Europa e com o grosso de seu exército aniquilado, o rei da Suécia iniciou então, em fevereiro de 1716, duas campanhas na Noruega, visando forçar a assinatura de um tratado de paz em separado com o Reino da Dinamarca e Noruega.
Nesse momento do conflito teve lugar a Batalha de Dynekilen.
Um ousado ataque
Em 8 de julho de 1716, uma frota de transporte sueca composta por 44 navios e comandada pelo oficial naval Olof Strömstierna encontrava-se no fiorde de Dynekilen, ao norte de Strömstad, na costa oeste da Suécia. Os fiordes são grandes entradas de mar entre altas montanhas rochosas, provocadas pela erosão das montanhas pela ação do gelo, presentes especialmente nas paisagens dos países nórdicos. Na ocasião, a frota sueca transportava tropas, munições e suprimentos de Gotemburgo, destinadas as forças de terra de invasão da Noruega lideradas por Carlos XII.
Quando os navios suecos ainda se achavam no porto de Dynekilen, uma flotilha dinamarquesa-norueguesa de 7 navios comandadas pelo vice-almirante Peter Tordenskjold apareceu de surpresa, atacando e destruindo um forte situado numa pequena ilha na entrada do porto, armado com seis canhões de doze libras.
A maior embarcação sueca, o ‘Stenbock’, um antigo navio de linha transformado barcaça canhão não resistiu às investidas e acabou por se render. Daí em diante, as embarcações mais leves foram caindo em poder do inimigo e para que outras não tivessem o mesmo destino, os próprios suecos as encalharam e destruíram. A flotilha dinamarquesa norueguesa priorizou então em se colocar fora da linha de fogo e salvar possível de navios. Desse modo, Tordenskjold logrou capturar 30 embarcações, enquanto 14 outras galeras e navios de transportes foram destruídas pelos suecos a tempo.
Nas colinas circundantes, os suecos tinham instalado uma bateria de terra, cujo cerrado fogo dos mosquetes determinou a retirada da flotilha atacante, a qual levou consigo todos os navios suecos capturados, deixando para trás os que haviam sido destruídos. Nas 5 horas de duração da Batalha de Dynekilen, dinamarqueses e noruegueses tiveram um salda de 19 mortos e 57 feridos. O número de mortos e feridos do lado sueco é desconhecido, registrando-se apenas 21 homens capturados.
O triunfo de Tordenskjold
A Batalha de Dynekilen representou o ponto mais alto da carreira do vice-almirante Peter Tordenskjold. Uma breve comparação em números entre as forças em combate fornece uma razoável ideia da dimensão de seu feito. Dispondo de somente 7 navios, dinamarqueses e noruegueses contavam com 931 homens, 97 canhões pesados, 38 canhões leves e 2 obuses. Os suecos, por sua vez, possuíam 44 navios, entre os quais, 13 de guerra, 1.284 homens, 40 canhões pesados, 72 canhões leves, além do apoio dos atiradores da bateria de terra. Exceção feita aos canhões pesados, a inferioridade dinamarquesa-norueguesa era evidente. Mesmo assim, sem perder um único navio, Tordenskjold provocou a perda de 30 embarcações inimigas, o que neste caso vem a comprovar a máxima de Alexandre, o Grande, segundo a qual “a sorte favorece os audazes”.
Seguem abaixo os nomes dos navios da flotilha dinamarquesa-norueguesa que participaram da intrépida incursão ao porto de Dynekilen:
Hjælper 47 (barcaça)
Hvide Ørn 30 (fragata)
Vindhund 16 (fragata)
Charlotte Amalia 7 (galera)
Louisa 7 (galera)
Prinds Christian 7 (galera)
Desconhecido
Os navios perdidos pelos suecos foram registrados em relatório de autoria do próprio Tordenskjold:
Stenbock 24 (barcaça) – Rendido
Proserpina 5 (galera) – Capturada
Ulysses 5 (galera) – Capturada
Lucretia 12 (galera) – Capturada
Wreden 21 (galera) – Afundada e posteriormente recuperada pelos suecos
Achilles 5 (meia-galera) – Capturada
Pollux 5 (meia-galera) – Capturada
Hector 5 (meia-galera) – Destruida
Castor 5 (meia-galera) – Afundada e posteriormente recuperada pelos suecos
Biorn 4 (saveiro) – Capturado
Svarte Maeren 4 (Saveiro) – Capturado
Schelpaden 12 – Afundado e posteriormente recuperado pelos suecos
Navios de transporte – 5 capturados, 3 destruídos
Fim do Império Sueco e nascimento do Império Russo
Por conta da perda da frota de transporte em Dynekilen, Carlos XII teve de abandonar os planos de invasão da Noruega, concentrando suas tropas na Suécia, de sorte a criar uma barreira defensiva contra a aguardada invasão combinada de dinamarqueses e russos.
Ao mesmo tempo, o rei tentou barrar o acesso da Grã-Bretanha ao mar Báltico, negociando para tanto com lideres jacobitas, que planejavam reconduzir os descendentes da Casa de Stuart para o trono de Inglaterra, após a deposição de Jaime Il pelo Parlamento, durante a Revolução Gloriosa. A estratégia, entretanto, precipitou a declaração de guerra da Grā-Bretanha à Suécia, em 1717.
Em 30 de novembro de 1718, durante o cerco sueco ao forte de Fredriksten, atual Halden, na Noruega, Carlos XII inspecionava trincheiras quando foi atingido por um projetil na cabeça, morrendo no local. Sucedeu-o no trono sua irmā Ulrika Eleonora, que abdicou dois anos depois em favor de seu marido, Frederico I da Suécia, em cujo reinado foi assinado o último tratado de paz da Grande Guerra do Norte, o Tratado de Nystad, de 10 de setembro de 1721.
Firmando a paz entre suecos e russos, o Tratado de Nystad marcou o fim da Grande Guerra do Norte, a extinção do Império Sueco e o nascimento do Império Russo, que sob o governo de Pedro I, o Grande, consolidou sua supremacia em todo o leste europeu.