Dentre as mais perigosas atividades desempenhadas pelo homem no mar, a caça às baleias por meio de arpões manuais ocupa lugar de destaque. O auge deste tipo de pesca verificou-se entre os séculos XVIII e XIX, época em que o óleo de baleia era um dos principais combustíveis que mantinham acesos os lampiões nas casas e nas ruas das cidades.
Diversos países dedicaram-se à baleação, especialmente Portugal, Estados Unidos, Inglaterra, Noruega e Japão. Em busca do cobiçado óleo, grandes navios baleeiros singravam os mares do Atlântico e do Pacífico, em viagens que duravam em média três anos.
o longo período longe de casa, os elevados riscos da profissão e a intensa faina a bordo levaram os marinheiros a desenvolverem em seu tempo livre uma atividade de lazer que logo deu origem a uma expressão artística e cultural própria dos baleeiros, o Scrimshaw.
Leia mais sobre este curioso tema na nova postagem de Diário de Bordo, a primeira do tópico “Arte & Cultura Marítimas”.
O que é Scrimshaw?
Scrimshaw é uma palavra de origem inglesa de etimologia incerta, usada para designar a arte de entalhe, gravação ou pintura em ossos e dentes de mamíferos marinhos, especialmente o Cachalote (Physeter macrocephalus).
O Cachalote pode atingir 15 metros de comprimento e pesar até 15 toneladas. Trata-se não apenas da maior espécie de baleia com dentes, como também do maior predador com dentes da Terra. A enorme e peculiar cabeça quadrada do cetáceo armazena em grande quantidade uma substància cerosa de cor leitosa, rica em óleo, o espermacete. Tal Característica fez da espécie uma das mais caçadas pelos baleeiros.
Em sua célebre obra Moby Dick, o escritor americano Herman Melville descreveu o Cachalote como uma “baleia”, definição comumente aceita até os dias atuais, face ao agigantado tamanho. Sua anatomia e morfologia, porém, assemelha-se mais a dos golfinhos.
Origens da arte
A arte do Scrimshaw surgiu em navios baleeiros que operavam no oceano Pacífico entre 1745 e 1759, mas somente no início do século XIX o termo apareceu pela primeira vez, através da imprensa.
O mais antigo exemplar que se conhece é um dente de cachalote que traz gravada a seguinte inscrição: “Este é o dente de um cachalote que foi capturado perto das ilhas Galápagos, pela tripulação do navio ‘Adam’ (de Londres), e fez 100 barris de óleo no ano de1817”
Durante o processamento da baleia a bordo do navio, ossos e dentes eram materiais geralmente descartados, porquanto sem valor comercial. Aproveitados pela tripulação, logo se tornaram as matérias primas essenciais para a produção do Scrimshaw.
Devido ao grande perigo da atividade baleeira mesmo nos melhores tempos a caça era suspensa à noite, o que garantia aos marinheiros tempo suficiente para a prática de sua arte. As técnicas mais utilizadas eram a incisão ou a gravação, sendo os entalhes da peça pigmentados.
Os temas retratados
Naturalmente, as imagens mais presentes na arte do Scrimshaw são as cenas marítimas que representam a caça às baleias ou mesmo o navio no qual estava embarcado o autor do trabalho. Em função da atividade que exigia uma longa ausência de casa, como manifestação de saudade, a terra natal e o elemento feminino eram outros temas explorados. Figuras religiosas são menos frequentes e mais recentes.
Scrimshaw hoje
Originário de uma época em que os cachalotes eram abundantes e sua caça indiscriminada uma prática legal, o Scrimshaw atualmente não é mais uma expressão artística que se utiliza do mesmo recurso. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Lei de Proteção dos Mamíferos Marinhos (Marine Mammal Protection Act), de 1972, passou a proibir a comercialização de Scrimshaw produzido a partir do referido ano. Além disso, convenções internacionais permitem a funcionários aduaneiros em todo o mundo apreenderem peças de origem ilegal.
Como os trabalhos são raramente feitos em ossos de baleia nos dias de hoje, como sucedâneo, os artistas modernos têm recorrido a materiais como a micarta, o marfim (de elefantes e morsas), presas de hipopótamos, chifres de búfalos, madrepérola e ossos de camelos. Por outro lado, as técnicas cada vez mais avançadas de fabricação permitem a indivíduos sem escrúpulos infestarem os mercados de falsificações, ludibriando muitos
colecionadores.
Importantes acervos
Obras genuínas de Scrimshaw são preservadas atualmente em museus. As coleções mais significativas encontram-se nas seguintes instituições:
- Hull Maritime Museum, de Kingston upon Hull, Inglaterra.
- Kendall Whaling Museum, parte integrante do New Bedford Whaling Museum, em New Bedford, Massachusetts, Estados Unidos.
- Scott Polar Research Institute, em Cambridge, Inglaterra.
- Museu da Arte de Scrimshaw, no Peter Café Sport, na cidade da Horta, na ilha do Faial, Açores, Portugal.
- Nantucket Whaling Museum, Massachusetts, Estados Unidos. – Mariners’ Museum, em Newport News, Virginia, Estados Unidos.
Em Portugal, merecem destaque também as coleções da Oficina de John van Opstal, nas Lajes do Pico, a coleção do Museu dos Baleeiros e a do Museu da ilha, em Santa Cruz das Flores.